Os desafios da maternidade e as intervenções da Psicologia Corporal Reichiana
OS DESAFIOS DA MATERNIDADE E AS INTERVENÇÕES DA PSICOLOGIA CORPORAL REICHIANA
Daiane de Souza (1)
Jose Henrique Volpi (2)
RESUMO:
Este artigo busca explorar os desafios da maternidade e suas influências no desenvolvimento psicológico infantil através da lente da Psicoterapia Corporal Reichiana. Será discutida a importância da saúde emocional materna para o desenvolvimento infantil saudável e como a realidade social e cultural que a mulher está inserida implica nesse processo, e também como as intervenções reichianas podem promover um ambiente mais saudável para esse momento tão profundo e impactante tanto na vida da mãe, quanto na vida do bebê. Ao abordar alguns aspectos mais práticos e teóricos quanto a Psicoterapia Corporal Reichiana, espera-se fornecer insights valiosos para pais, educadores e profissionais da área.
Palavras-chave: Corpo. Maternidade. Psicoterapia. Reich.
Publicado em: 19/08/2024
Páginas: 33 – 44
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Para uma mulher, tornar-se mãe, embora seja um processo profundo de nascimento e renovação, muitas vezes é permeado por desafios significativos que podem se tornar densos, pesados e angustiantes se não forem enfrentados com real profundidade e responsabilidade. Ao escolher se tornar mãe, a mulher embarca em uma jornada que a leva a uma nova realidade, exigindo uma reconfiguração completa de sua identidade e de suas prioridades (Gutman, 2016). Assim, essa transformação pode afetar não apenas a própria mãe, mas também todos ao seu redor, incluindo parceiros, familiares e a comunidade. Nesse artigo será discutido o quanto a maternidade requer uma adaptação contínua e um trabalho emocional de muita força, à medida que a mulher navega por um mundo de responsabilidades e expectativas sociais.
Gutman (2016) descreve os inúmeros desafios enfrentados pela mulher ao decidir tornar-se mãe, incluindo medos e angústias durante a gestação, o parto e o puerpério. Esses momentos são frequentemente marcados por um turbilhão emocional, onde o desconhecido e o incontrolável tornam-se companheiros constantes. Nesse olhar delicado e sensível, Gutman (2016) fala sobre as expectativas sociais e pessoais que podem intensificar as inseguranças, transformando esse momento tão profundo de ser mãe em um verdadeiro teste de resistência e adaptação. Segundo Gutman (2016) a mulher, nesse processo, enfrenta a necessidade de equilibrar as próprias necessidades com as do novo ser que está por vir, muitas vezes confrontando-se com dilemas internos profundos e conflitos emocionais pessoais.
Ainda nessa visão, para Gutman (2016) a maternidade é um encontro com a própria sombra, onde a mulher percebe que, ao parir uma criança, está também parindo uma parte de si mesma, e, este processo de autodescoberta pode ser tanto assustador quanto revelador, uma vez que traz à tona aspectos do próprio ser que talvez estivessem ocultos ou não plenamente compreendidos. Para Gutman (2016) a maternidade exige uma reavaliação da identidade e pode ser vista como uma oportunidade para o crescimento pessoal e espiritual. Esse encontro com a própria sombra permite à mulher explorar e integrar suas vulnerabilidades, forças e limitações, emergindo dessa experiência transformada e, potencialmente, mais conectada consigo e com o mundo ao seu redor.
Essa perspectiva de olhar para o processo de maternidade com mais sensibilidade e talvez um toque de maturidade conecta-se com a Psicologia Corporal desenvolvida por Wilhelm Reich (1897–1957), que oferece um olhar mais sensível sobre o ser humano quando ele, ao se mobilizar com seus pacientes que manifestam algumas resistências em seus tratamentos psicanalíticos tradicionais, desenvolve uma nova abordagem terapêutica de conexão mais íntima e profunda com seus pacientes, observando principalmente a energia desse indivíduo, percebendo que as experiências emocionais e os traumas se manifestam tanto no corpo quanto na mente. (Reich, 1995)
Reich (1995), seguindo os estudos de Freud sobre a origem da sexualidade infantil, argumenta que a estrutura de caráter de uma pessoa é formada como uma defesa contra experiências emocionais dolorosas e repressões sexuais. Ele descreve como essas defesas se manifestam no corpo, formando o que ele chama de “couraça muscular”. Mais tarde ele introduz a descoberta da energia orgone, que acredita ser a base de uma vida saudável e que essa energia deve fluir livremente pelo corpo para se manter uma saúde física e emocional (Reich, 1975)
Reich (1975) argumentava que a liberação da energia vital acumulada se daria através da descarga orgástica que ele denominou como “potência orgástica”, e que a não liberação dessa energia comprometeria todo o processo vital de um indivíduo, inclusive a sua disponibilidade em se entregar, em amar. “A saúde psíquica depende da potência orgástica, (…) No caso de impotência orgástica, de que sofre a esmagadora maioria, ocorre um bloqueio na energia biológica, e esse bloqueio se torna a fonte de ações irracionais.” (Reich, 1975, p. 10)
Reich (1995) afirmava que a organização econômica e social de uma sociedade influencia diretamente como as famílias são estruturadas e funcionam. Isso quer dizer que a forma como a economia é organizada, seja ela capitalista ou socialista, por exemplo, bem como a sociedade se estrutura, definem o jeito que as famílias vivem e se relacionam e isso afeta diretamente no processo de estruturação da vida de um indivíduo.
A estrutura socioeconômica da sociedade determina modos definidos de vida familiar, mas estes não só pressupõem formas definidas de sexualidade como também as produzem, na medida em que influenciam a vida pulsional da criança e do adolescente, do que resultam mudanças de atitudes e modo de reação. (…) a estrutura do caráter é um processo sociológico congelado de uma determinada época. (REICH, 1995, p. 7).
Reich (1995) destaca que normas e estruturas familiares influenciam profundamente o desenvolvimento emocional e sexual de crianças e adolescentes. A “vida pulsional” refere-se aos impulsos e desejos moldados desde a infância. Essas influências familiares e socioeconômicas causam mudanças nas atitudes e modos de reagir dos indivíduos, afetando em como percebem o mundo e respondem a estímulos com base em experiências e normas internalizadas durante o crescimento.
“A estrutura do caráter do homem moderno, que reflete uma cultura patriarcal e autoritária de seis mil anos, é tipificada por um encouraçamento do caráter contra sua própria natureza interior e contra a miséria social que o rodeia” (Reich, 1975, p.11). Dessa forma, ele defendia a ideia de que uma educação baseada no medo e na angústia resultava em indivíduos doentes e distantes de sua própria natureza orgânica de prazer e entrega.
Seguindo nessa linha de crítica ao sistema patriarcal e essa repressão a liberdade de expressão, quando se trata em questões de gênero, French (1992), uma das principais filósofas e teóricas do feminismo, enfatiza as experiências socioeconômicas que moldam a vida das mulheres, especialmente no contexto da maternidade. French (1992) argumenta que, em um contexto capitalista onde competitividade e produtividade são altamente valorizadas, as expectativas em torno da maternidade impõem uma pressão emocional sobre as mulheres para equilibrar trabalho e cuidados com os filhos. Em seu estudo profundo sobre a realidade da mulher moderna, ela aborda como frequentemente enfrentam uma dupla jornada de trabalho, onde precisam se destacar profissionalmente e, ao mesmo tempo, atender às demandas intensas da maternidade.
French (1992) explora como a estrutura patriarcal utiliza a maternidade como uma ferramenta de controle. Ela discute seriamente como políticas públicas e normas culturais frequentemente falham em apoiar adequadamente as mães, deixando-as isoladas e sobrecarregadas. Essa falta de apoio, que deveria vir tanto dos parceiros quanto dos sistemas públicos, como creches acessíveis e licença-maternidade remunerada, agrava as dificuldades enfrentadas pelas mães, especialmente aquelas que tentam conciliar trabalho e responsabilidades domésticas.
Em sintonia com esses pensamentos, Beauvoir (1949) aborda críticas profundas com relação à experiência das mulheres na sociedade, alegando que isso decorre não em função de uma diferença biológica entre os sexos e sim como um produto de construção social e cultural. “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.” (Beauvoir, 1949, pg 9). Para ela ser mulher envolve normas, expectativas e papéis específicos da mulher ao longo da vida.
Em relação à maternidade, Beauvoir (1949) discute essa experiência de forma realista, argumentando que as expectativas sociais impõem às mulheres o papel de mães perfeitas, dedicadas e altruístas, frequentemente ignorando os reais desafios e grandes dificuldades que elas enfrentam. Beauvoir (1949) também aborda a alienação do corpo feminino no período pós-parto, quando a mulher deixa de se perceber como um ser independente de seu filho, levando a crises existenciais e problemas de identidade.
Isso vai totalmente de encontro ao que Gutmann (2016) argumenta sobre os desafios que a mulher enfrenta com a maternidade sobre as pressões sociais, as expectativas e a idealização da gravidez perfeita, o sentimento de isolamento e de solidão por uma falta de rede de apoio adequada que atenda as reais necessidades da mulher e da criança. Outro desafio que Gutmann (2016) trás é com o equilíbrio entre os desejos da criança e seus próprios desejos enquanto ser, o que pode trazer inúmeros problemas emocionais e físicos tanto para a mãe quanto para a criança, se não forem tratados de forma adequada.
Na perspectiva da Psicologia Corporal, Navarro (1995), baseado nas teorias de Wilhelm Reich, aprofunda o estudo dos tipos caracterológicos e suas manifestações somáticas e emocionais desde a infância. Ele destaca como o estresse durante a gravidez, o nascimento e a amamentação podem intensificar problemas emocionais e comportamentais, resultando em manifestações somáticas. Navarro (1995) argumenta que essas experiências precoces podem agravar tensões musculares no bebê, influenciando seu desenvolvimento emocional e físico de forma significativa, e, essa abordagem enfatiza a importância do bem-estar materno e das condições de nascimento na formação do caráter e na saúde geral do indivíduo.
Segundo Navarro (1995), esses bloqueios energéticos podem se manifestar tanto com problemas físicos, com dores crônicas, quanto com questões emocionais, como depressão e ansiedade. Navarro (1995) detalha que diferentes tipos de caráter, formados em resposta a experiências emocionais e sociais, têm correspondências específicas com tensões e bloqueios corporais. Segundo Navarro (1995), o período da maternidade é particularmente crucial para o desenvolvimento do caráter do bebê, pois as tensões e as experiências vivenciadas pela mãe durante a gestação, o parto e a amamentação podem influenciar profundamente a formação do caráter e a saúde geral do bebê.
A rejeição materna durante a gravidez, bem como os medos, angústias e qualquer situação de estresse vivenciada pela mãe durante esse período, podem levar à formação de uma estrutura caracterológica conhecida como núcleo psicótico. Esse núcleo psicótico pode se manifestar de duas formas principais: como tipo esquizofrênico ou tipo borderline (Navarro, 1995). No caso do núcleo psicótico do tipo esquizofrênico, que se desenvolve desde a gestação até os primeiros dez dias de vida, o bebê pode experimentar estresse significativo se a mãe estiver enfrentando questões emocionais profundas, traumas intensos, conflitos constantes, ou uma vida insalubre, caracterizada por má alimentação, consumo de álcool e outras substâncias nocivas. Navarro (1995) aponta que esses fatores podem aumentar substancialmente o risco de o bebê nascer com somatizações, refletindo o impacto das condições adversas enfrentadas pela mãe.
Ainda no contexto do núcleo psicótico, Navarro (1995) explica que a fixação desses processos somáticos se localiza no primeiro nível, afetando os olhos, ouvidos e nariz. Essas fixações resultam em características de personalidade que incluem medos intensos do contato com o mundo, maior esquiva, dificuldade de foco, problemas de auto-percepção e um medo generalizado da vida, com a percepção da própria existência como uma ameaça constante. Essa primeira etapa de desenvolvimento é denominada “etapa de sustentação”, na qual o bebê encontra seu primeiro ambiente emocional no útero, e, durante esse período, o contato afetivo com a mãe ocorre através das paredes uterinas e do cordão umbilical, passando pelas fases de segmentação, embrionária e fetal, conforme descrito por Volpi & Volpi (2008).
Navarro (1995) também afirma que “as condições caracteriais são individuadas segundo a importância do bloqueio energético predominante” (p.34). Ele descreve esses indivíduos como apresentando uma condição de hipororgonia desorgonótica, caracterizada por uma baixa energia vital que é mal distribuída e desorganizada pelo corpo.
Reich (1995) fala sobre a “peste emocional”, que são os movimentos passados de geração em geração através dos sistemas culturais e sociais e que acarretam inúmeros problemas ao indivíduo em termos de formação de personalidade, e diz que isso se intensifica principalmente nesses primeiros momentos de vida de uma criança.
Gutman (2016) também ressalta a importância de um olhar mais sensível para o primeiro momento de existência de um ser humano, tanto na vida intrauterina quanto no nascimento. Ela critica a situação lamentável que muitas mulheres enfrentam durante o trabalho de parto, no qual se poderia ter um momento rico, profundo e renovador, e que muitas vezes é transformado em um ato puramente mecânico e manipulado. Desde a internação precoce, passando pelo constrangimento de procedimentos como depilação e lavagem, até a indução desnecessária, perineotomia para acelerar a expulsão do feto e cesarianas não justificadas, os maus-tratos vindos das equipes profissionais. Tudo isso pode trazer um impacto traumático e significativo tanto para a mãe quanto para o bebê, e que podem causar sérios efeitos negativos, impactando profundamente a experiência da maternidade e o bem-estar inicial do recém-nascido. (Gutman, 2016)
Gutman (2016) afirma: “O parto não é uma enfermidade a ser curada, é uma passagem para outra dimensão” (p. 64). Ela destaca que, tragicamente, muitas mulheres não têm nem consciência dos abusos que ocorrem durante o parto e acabam aceitando esses processos sem compreender a gravidade dos procedimentos, que podem ser considerados como abusivos, até mesmo como partos de estupro. Isso, segundo Gutman (2016), pode levar as mulheres ao desejo profundo de esquecer esse momento, que, na visão de uma abordagem mais humanizada, deveria ser uma das experiências mais revitalizantes da vida de uma mulher.
No período pós-parto, os cuidados continuam, já que a amamentação é crucial para o desenvolvimento emocional do bebê. Essa é a “fase de incorporação”, onde o bebê não se encontra mais no útero quente e protegido da mãe, agora é um momento muito importante de conexão entre a mãe e o bebê, onde os laços de segurança e afetividade necessitam estar em total sintonia (Volpi & Volpi, 2008).
“É importante saber que uma mãe agitada e ansiosa descarrega na corrente sanguínea a bile, líquido presente na vesícula biliar, que chega até o leite deixando-o com sabor amargo. É por isso que muitas crianças não querem ser amamentadas ao seio.” (Volpi & Volpi, 2008. 127). Se, durante essa fase, o bebê experimenta uma desconexão afetiva com a mãe, seja porque a mãe não está disponível afetivamente ou energeticamente, ou se houve um rompimento na continuidade do processo de nutrição, isso pode levar a uma fixação no segmento da boca e também no nariz segundo Navarro (1995).
Essa fixação pode resultar no desenvolvimento de um traço caracterológico denominado borderline, que pode se manifestar como um núcleo psicótico melancólico (traumas do nascimento até três meses de idade) ou depressivo (traumas dos três meses até o desmame) e estão associados a uma carga energética desorgonótica, refletindo em energia mal distribuída pelo corpo, (Navarro, 1995).
Volpi & Volpi (2008) enfatizam que durante o período pós-parto, é fundamental que o bebê manifeste suas necessidades, como o choro quando está com fome, e que isso deve ocorrer de maneira natural para permitir seu desenvolvimento adequado e a capacidade de sustentar sua própria vida. Gutman (2016) também aborda isso, reforçando essa importância ao afirmar que a mãe deve confiar em suas convicções intuitivas e instintivas durante o processo de amamentação. Ela afirma que, caso o bebê não acorde para mamar ou, mesmo mamando, continue chorando de fome, é essencial que se examine os aspectos psicológicos da mãe, tanto em relação a si mesma quanto ao bebê. A abordagem deve considerar possíveis questões emocionais e psicológicas que podem estar impactando a interação entre mãe e filho e a eficácia do processo de amamentação.
A lactação é a continuação dos nossos aspectos mais terrenos, selvagens, diretos, filogenéticos. Para dar de mamar as mulheres deveriam passar quase todo o tempo nuas, sem largar sua cria, imersas em um tempo fora do tempo, sem intelecto, sem elaboração de pensamentos, sem a necessidade de se defender de nada e ninguém, mas tão somente abstraídas em um espaço imaginário e invisível aos demais. (Gutmann, 2016, p. 80)
A fixação dos processos traumáticos que ocorrem durante o período pós-parto se localiza no segundo nível corporal, especificamente na área da boca, resultando em traços de oralidade e isso implica no desenvolvimento de traços de caráter em indivíduos que apresentam alta dependência emocional, agressividade, e problemas relacionados a vícios segundo Navarro (1995). Esses traços também podem levar a questões secundárias como inveja, vitimismo, obesidade, e estados depressivos constantes, bem como variações emocionais extremas, impulsividade suicida.
Segundo Volpi & Volpi (2008), após o período de desmame acontece a terceira etapa de “produção” que segue até mais ou menos o terceiro ano de vida, podendo ser um pouco antes para alguns, e nessa etapa, a criança inicia uma vida de relacionamentos, onde se inicia o controle das esfíncteres, e o movimento dos seus próprios pensamentos. Depois, a partir do quarto ano de vida, chega-se à etapa de identificação, momento onde a criança inicia a descoberta das suas genitais e os momentos de sua individualidade. (Volpi & Volpi, 2008)
Navarro (1995) denomina como psiconeuróticos, indivíduos que tiveram uma educação severa e punitiva durante a etapa de produção, desenvolvendo traços de caráter masoquista, caracterizados pelo queixume, por exemplo. Além disso, Navarro (1995) também fala sobre o obsessivo-compulsivo, marcado principalmente pelo controle excessivo. Essas características, segundo ele, são associadas a uma carga energética hipoorgonótica desorgonótica, ou seja, baixa energia corporal, distribuída de forma desorganizada.
Ainda sobre o psiconeurótico, Navarro (1995) aborda sobre os traços de caráter relacionados a uma educação que não estimula a autodefesa, o que denomina como passivo feminino, onde os meninos têm dificuldade de lidar com o pai e se identificam mais a mãe, e denomina agressivo masculino, para meninas que se identificam mais com o pai e enfrentam bloqueios com a mãe. O passivo feminino é caracterizado pela passividade, enquanto o agressivo masculino é associado à agressividade, e, ambos têm uma carga energética alta e desorgonótica, ou seja, possuem uma alta energia corporal, mas mal distribuída pelo corpo, (Navarro, 1995).
Segundo Navarro (1995), os neuróticos apresentam traços de caráter específicos associados a diferentes processos educativos. Entre esses traços estão o fálico-narcisista, que se desenvolve em um ambiente educacional competitivo e resulta em indivíduos mais arrogantes, e temos também o histérico, que está fortemente ligado à sexualidade e tem como componente básico a sedução. Ambos os traços são caracterizados por uma carga energética hiperorgânica, ou seja, uma alta capacidade energética corporal que é bem distribuída pelo corpo.
Navarro (1996), com base em suas experiências clínicas, propôs uma distribuição estatística da estrutura caracterológica da população. Ele observou que 30% dos indivíduos apresentam um núcleo psicótico. Cerca de 45% são classificados como borderline. Em torno de 20% das pessoas são psiconeuróticas, exibindo comportamentos obsessivos e compulsivos. Aproximadamente 4,9% são considerados neuróticos, com conflitos internos significativos, mas menos intensos. Apenas cerca de 1% dos indivíduos alcançam o estado de caráter genital, refletindo uma maturidade emocional plena e equilíbrio energético (Navarro, 1996). Esta distribuição sublinha a importância de abordagens terapêuticas que promovam o desenvolvimento saudável do caráter.
Partindo de toda essa problemática em que o ser humano está inserido hoje, diante de tudo que foi abordado neste estudo, percebe-se que a história de uma pessoa se inicia desde que esse ser se encontra no útero da mãe. “Portanto, se o organismo da mãe for energeticamente livre e emocionalmente expressivo, ela será capaz de compreender a linguagem corporal do bebê em todas as suas necessidades.” (Volpi & Volpi, 2008, p. 131).
Pensando em todas essas questões, na abordagem da psicoterapia corporal reichiana, Navarro, introduz a vegetoterapia cacacteroanalítica, que é “uma metodologia terapêutica com implicações socioculturais, políticas (não partidárias!), cujo escopo é contribuir para transformar, gradual e progressivamente, a condição atual da nossa sociedade (causa da psicopatologia coletiva em que nos encontramos!). (Navarro, 2022, pg. 13).
A vegetoterapia caractero-analítica, conforme descrita por Navarro (1995), desenvolve-se por meio de um projeto terapêutico de intervenções corporais, conhecidas como “actings“. Esses actings atuam sobre o sistema neurovegetativo, incluindo os sistemas simpático e parassimpático, com o objetivo de alcançar a maturidade do caráter genital. Essa abordagem envolve um diagnóstico profundo e completo das tensões musculares crônicas que surgem nos diversos níveis corporais, decorrentes de estresses acumulados desde o nascimento. A ideia central é liberar essas tensões por meio de exercícios específicos, ajudando a dissolver as couraças e permitindo a livre circulação da energia vital pelo corpo (Navarro, 1995).
O equilíbrio neurovegetativo (por ativação do sistema neurovegetativo), acompanhado da análise do caráter (expresso pela linguagem corporal), colocam o indivíduo em condições não apenas de compreender, mas principalmente de ‘sentir’ a sua capacidade, ou seja, o seu eu, e o seu ‘ser no mundo’, como elemento dialético. (Navarro, 2022 , pg. 15).
Assim, por meio dos exercícios específicos para cada um dos sete segmentos propostos por Reich, é possível trabalhar a energia vital de maneira eficaz e funcional, promovendo uma melhora potencial na saúde emocional e psíquica do indivíduo. Isso amplia sua capacidade energética, favorecendo uma sexualidade saudável e satisfatória (Navarro, 2022). Esses exercícios, conhecidos como actings, permitem ao terapeuta realizar um diagnóstico mais preciso, integrando uma anamnese aprofundada e a história clínica do paciente, além de utilizar técnicas como a massagem reichiana, o teste “T” de Reich (sangue), o Teste de Vincent (que mede os terrenos energéticos), testes psicológicos disponíveis, o teste de ouvido eletrônico (quando necessário), e as próprias percepções do terapeuta (Navarro, 2022).
O exercícios aplicados nos “actings” devem ser aplicado com profundidade para que não sejam encarados como práticas corporais ou exercícios mecânicos de ginástica, uma vez que cada pacote de exercícios estão movendo os segmentos bloqueados por processos traumáticos daquele paciente, e isso implica em observar com muita presença a resposta da pessoa com os trabalhos, desde as reações do paciente até as suas próprias sensações e feedbacks sentidos durante a aplicação. (Navarro, 2022).
Dessa forma é possível perceber que a psicoterapia corporal reichiana, em especial a vegetoterapia caractero-analítica, pode ser uma ferramenta poderosa para tratar bloqueios emocionais e somáticos que surgem durante o período da maternidade. Os trabalhos desenvolvidos por Wilhem Reich e abordados por Federico Navarro contribuem em grande nível para que os indivíduos tomem consciência sobre sua própria história e assim consigam ressignificar esses traumas que estão instalados no corpo.
Segundo o estudo aqui discutido, as experiências vividas durante a gestação, o parto e os primeiros anos de vida moldam profundamente a forma como um indivíduo se relaciona consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. Se a mãe consegue compreender suas próprias questões emocionais, sua história, seu contexto energético corporal e suas etapas de desenvolvimento, ela estará potencialmente mais preparada emocionalmente para criar um ambiente acolhedor e seguro para o novo ser que está surgindo.
Nessa perspectiva de maior consciência no início da vida dos filhos, é essencial promover uma maior expansividade no processo de humanização do parto e da maternidade como um todo. Isso inclui o envolvimento de órgãos públicos que possam atuar de forma eficaz, considerando a realidade social e econômica das mulheres. Assim, cria-se um suporte mais amplo para que as mães estejam verdadeiramente presentes e conectadas durante esse período crucial.
A humanização do parto e da maternidade não se limita apenas a aspectos físicos e médicos, ela abrange também o cuidado emocional, psicológico e social das mulheres. Um ambiente de parto verdadeiramente humanizado é aquele que respeita as escolhas da mulher, oferece suporte emocional contínuo e reconhece a importância do vínculo mãe-bebê desde o início. A preparação emocional e psicológica da mãe é crucial para que ela possa se sentir empoderada e segura nesse processo, e isso exige uma abordagem que considere suas experiências anteriores, seus medos e suas expectativas.
Além disso, a humanização da maternidade deve estender-se para além do momento do parto, englobando políticas públicas que promovam o bem-estar das mulheres durante a gravidez e os primeiros anos de vida de seus filhos. Acesso a serviços de saúde mental, programas de apoio à maternidade e iniciativas que abordem desigualdades sociais são essenciais para criar um ambiente onde as mulheres possam exercer a maternidade de forma plena e saudável. A presença de uma rede de apoio sólida e acessível permite que as mães enfrentem os desafios da maternidade com mais confiança, garantindo um início de vida mais harmonioso e seguro para seus filhos.
A psicoterapia corporal reichiana pode desempenhar um papel fundamental nesse processo de humanização da maternidade ao integrar o corpo e as emoções, permitindo que as mães se conectem mais profundamente com suas próprias experiências e com seus bebês. Por meio de técnicas que exploram a relação entre mente e corpo, conforme mencionado nesse estudo, é possível liberar tensões acumuladas e padrões emocionais reprimidos, promovendo uma maior consciência corporal e emocional tanto para a mãe quanto para o bebê. Essa conexão mais profunda consigo pode ajudar a mãe a se preparar melhor para o parto e para a maternidade, criando um ambiente interno de maior equilíbrio e bem-estar.
“Quanto mais precoce, mais grave e mais prolongado for o estresse, maior será o comprometimento, e mais difícil será o processo de recuperação.” (Volpi & Volpi, 2008, pg. 132). Assim, se percebe o grau de importância nesses primeiros momentos de vida de um ser. Ao trabalhar com as emoções de maneira integrada, a psicoterapia corporal reichiana não só fortalece a saúde mental da mãe, como também contribui para o desenvolvimento de uma maternidade mais consciente, acolhedora e conectada com as necessidades do bebê.
Todo esse processo contribui para a prevenção de traumas emocionais profundos, que muitas vezes podem ser irreversíveis. Além de manter a consciência durante o processo maternal, é igualmente essencial ajudar as mães a se libertarem de suas ‘couraças’, permitindo que acolham a nova vida com mais leveza. Esse movimento é vital e, se aplicado com responsabilidade, tem o potencial de transformar o futuro da humanidade.
REFERÊNCIAS
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GUTMAN, L.. A maternidade e o encontro com a própria somba. Rio de Janeiro: Best Seller, 2016.
FRENCH, M. A guerra contra as mulheres. São Paulo: Best Seller, 1992.
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NAVARRO, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
NAVARRO, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996.
NAVARRO, F. In Apostila do Curso em Especialização Psicologia Corporal. Modulo 2, Unidade 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2022.
REICH, W. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
REICH, W.. A função do orgasmo. São Paulo: Editora Brasiliense s.a., 1975.
VOLPI, J. H; VOLPI, S. M. Crescer é uma aventura! Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2006.
SOUZA, D. Os desafios da maternidade e as intervenções da Psicologia Corporal Reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2024. v. 25, p. 33-44. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-25-ano-2024/. Acesso em: _____.