Sensação de Órgão na Psicoterapia Corporal Segundo Wilhelm Reich
SENSAÇÃO DE ÓRGÃO NA PSICOTERAPIA CORPORAL SEGUNDO WILHELM REICH
José Henrique Volpi (1)
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RESUMO
A sensação de órgão é um fenômeno descrito por Wilhelm Reich no contexto da psicoterapia corporal, representando uma forma de percepção somática sutil que emerge na relação terapêutica. Trata-se de uma experiência de ressonância corporal que o terapeuta pode vivenciar em resposta às manifestações somáticas e emocionais do paciente. Este artigo discute o conceito reichiano de sensação de órgão, suas implicações clínicas e éticas, e propõe um diálogo com os achados da neurociência sobre interocepção, empatia e neurônios-espelho, destacando como diferenças individuais no grau de encouraçamento influenciam a sensibilidade energética e o contato terapêutico.
Palavras-chave: Psicoterapia Corporal. Sensação de órgão. Wilhelm Reich. Interocepção. Empatia somática. Energia vital.
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1. Introdução
Wilhelm Reich (1897–1957), médico e psicanalista austríaco, desenvolveu uma das abordagens mais originais e complexas da psicoterapia do século XX ao integrar corpo e psique em um modelo unificado de funcionamento energético. Sua teoria da energia orgone, das couraças musculares e das funções vegetativas do corpo introduziu um novo paradigma para a compreensão das emoções e do inconsciente somático (REICH, 1979).
Nesse contexto, Reich descreveu a sensação de órgão como uma experiência somática autêntica e espontânea que reflete a vitalidade do sistema vegetativo. Essa sensação pode emergir tanto no paciente quanto, em alguns casos, de forma empática, no terapeuta — como um tipo de eco corporal ou ressonância somática (NAVARRO, 1996).
2. A Sensação de Órgão em Wilhelm Reich
Para Reich, a sensação de órgão refere-se a percepções internas do fluxo de energia no corpo — sensações de pulsação, calor, vibração ou movimento interno — que acompanham o processo de dissolução das couraças e a liberação emocional. Essa experiência traduz o funcionamento biológico autêntico do organismo, em que corpo e psique formam uma unidade funcional movida por processos de expansão e contração (REICH, 1979).
A sensação de órgão é, portanto, a expressão vivida da autorregulação energética: quanto mais o fluxo energético se torna livre, mais o sujeito recupera a capacidade de sentir prazer, vitalidade e contato consigo e com o outro.
3. A Ressonância Somática na Relação Terapêutica
No setting reichiano e neo-reichiano, o terapeuta, ao manter-se centrado e em contato com o próprio corpo, pode perceber sensações corporais correspondentes às vivências do paciente. Essa percepção é chamada, em abordagens contemporâneas, de ressonância somática (SIEGEL, 2012), um tipo de empatia corporal que ocorre pela comunicação implícita entre dois sistemas nervosos e vegetativos em sintonia.
O terapeuta, portanto, atua como um organismo ressonante: seu corpo registra, através de microvariações fisiológicas (respiração, tônus, temperatura, ritmo cardíaco), aspectos da experiência emocional do paciente. Essa percepção, no entanto, deve ser manejada eticamente — usada como um dado clínico de contato, e não como interpretação ou projeção.
O manejo adequado consiste em traduzir a percepção em intervenções exploratórias, que devolvem ao paciente a oportunidade de reconhecer e nomear suas próprias sensações:
“Notei uma mudança na sua respiração agora. Como está sendo esse momento para você?”
Com isso, o terapeuta reforça a autorregulação do paciente e o contato com sua experiência somática (LOWEN, 1982; NAVARRO, 2009).
3.1. Sensibilidade Energética, Empatia Corporal e Couraça
A capacidade de perceber as sensações sutis — tanto em si quanto no outro — está relacionada ao grau de encouraçamento descrito por Reich. Indivíduos com menor rigidez muscular e emocional tendem a apresentar maior sensibilidade energética, o que significa maior permeabilidade à energia e às emoções do outro. Essa sensibilidade pode ser percebida como uma abertura empática ampliada, que inclui não apenas a dimensão afetiva, mas também a percepção somática do campo energético presente entre as pessoas.
Em contrapartida, indivíduos mais encouraçados, nos termos reichianos, apresentam bloqueios musculares e vegetativos que reduzem o fluxo energético e dificultam a empatia corporal. Tais bloqueios criam uma espécie de “isolamento energético” que limita a capacidade de perceber o outro e de ressoar com ele emocionalmente. Essa limitação empática, além de psicológica, é também biológica, resultante de uma redução na mobilidade vegetativa e na responsividade corporal (REICH, 1979; NAVARRO, 1996).
No contexto terapêutico, essa distinção é essencial:
Pessoas mais sensíveis energeticamente podem captar de modo intenso as emoções do ambiente e do terapeuta, o que exige manejo de contenção e grounding.
Pessoas mais encouraçadas necessitam de intervenções corporais graduais e consistentes que restaurem a capacidade de sentir e empatizar.
3.2. A Convergência com a Neurociência Contemporânea
A neurociência contemporânea oferece um campo fértil para compreender, em bases fisiológicas, fenômenos reichianos como a sensação de órgão e a ressonância somática. Pesquisas sobre interocepção — a capacidade de perceber sinais corporais internos — demonstram que áreas como a ínsula anterior e o córtex cingulado estão diretamente envolvidas na consciência corporal e na regulação emocional (DAMASIO, 2010; CRAIG, 2009).
Essas estruturas participam da tradução neural das sensações viscerais em percepções conscientes, o que se aproxima da descrição reichiana de consciência orgânica e fluxo energético.
Além disso, os estudos sobre o sistema de neurônios-espelho (GALLESSE, 2001; RIZZOLATTI, 2004) mostram que a empatia é mediada não apenas por processos cognitivos, mas por uma simulação encarnada — o cérebro do observador ativa padrões motores e emocionais semelhantes aos do observado. Isso explica cientificamente a ressonância somática que ocorre entre terapeuta e paciente: o corpo do terapeuta literalmente sente o que o outro sente, em nível neuromotor e vegetativo.
Daniel Siegel (2012) e Allan Schore (2012) também ampliam essa compreensão ao demonstrar que o sistema nervoso autônomo se regula em processos de sincronia interpessoal — os ritmos respiratórios, cardíacos e autonômicos de duas pessoas em contato empático tendem a se sincronizar. Tal sincronia constitui, neurobiologicamente, o correlato da “energia do contato” descrita por Reich e seus seguidores.
Assim, a sensação de órgão pode ser compreendida como uma manifestação psicossomática da interocepção empática, em que o terapeuta, regulado e presente, percebe corporalmente o estado interno do paciente. Essa integração entre psicologia corporal e neurociência reforça a validade empírica das concepções reichianas sob uma ótica contemporânea.
4. Implicações Clínicas
O uso da sensação de órgão como ferramenta clínica requer do terapeuta constante auto-observação, regulação somática e supervisão. A fronteira entre percepção empática e projeção é sutil, e a ética reichiana enfatiza o respeito à autonomia e à autorregulação do paciente.
Ao mesmo tempo, a neurociência reforça que a empatia corporal é um processo bidirecional — portanto, o terapeuta também é afetado pelo campo emocional do paciente. É essencial que mantenha um eixo corporal sólido e uma consciência interoceptiva madura para não se confundir com o estado do outro.
A combinação da visão reichiana e da neurobiologia relacional indica que o terapeuta corporal atua como um sistema regulador, oferecendo ao paciente, por meio do próprio corpo e presença, uma referência de estabilidade fisiológica e emocional.
5. Considerações Finais
A sensação de órgão, no pensamento de Wilhelm Reich, é um fenômeno de alta relevância clínica e teórica, pois expressa a unidade funcional entre corpo, energia e consciência. Integrada às descobertas contemporâneas sobre interocepção, neurônios-espelho e sincronia autonômica, ela se revela como uma das expressões mais sofisticadas da empatia corporal e da comunicação não verbal entre terapeuta e paciente.
Compreender essas interfaces entre energia vital e neurobiologia amplia o alcance da psicoterapia corporal, permitindo uma visão mais integrada do ser humano — como organismo pulsante, energético e relacional.
Referências
CRAIG, A. D. (Bud). How do you feel? Interoception: the sense of the physiological condition of the body. Nature Reviews Neuroscience, v. 10, p. 59–70, 2009.
DAMASIO, A. R. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
GALLESSE, V. The shared manifold hypothesis: From mirror neurons to empathy. Journal of Consciousness Studies, v. 8, n. 5–7, p. 33–50, 2001.
LOWEN, A. Bioenergética: a linguagem do corpo para curar os problemas da mente. São Paulo: Summus Editorial, 1982.
NAVARRO, F. Metodologia da Vegetoterapia Caractero-Analítica: sistemática, semiótica, semiologia, semântica. São Paulo: Summus Editorial, 1996.
NAVARRO, F. Corpo, Energia e Caráter. São Paulo: Ágora, 2009.
REICH, W. A função do orgasmo. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1979.
RIZZOLATTI, G.; SINIGAGLIA, C. Mirrors in the Brain: How Our Minds Share Actions and Emotions. Oxford: Oxford University Press, 2008.
SCHORE, A. N. The Science of the Art of Psychotherapy. New York: Norton, 2012.
SIEGEL, D. J. The Developing Mind: How Relationships and the Brain Interact to Shape Who We Are. 2. ed. New York: Guilford Press, 2012.
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(1) José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br
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