Neurofisiologia do Trauma

O Corpo Lembra: A Neurofisiologia do Trauma

José Henrique Volpi¹

Introdução

A compreensão do trauma psicológico deu um salto significativo nas últimas décadas com os avanços da neurociência. Hoje sabemos que o trauma não se limita a uma memória mental – ele é também um fenômeno profundamente corporal. O corpo lembra, mesmo quando a mente esquece. Esse texto propõe uma aproximação entre a Psicologia Corporal, fundamentada por autores como Wilhelm Reich e Alexander Lowen, e os achados contemporâneos da neurobiologia do trauma, representados por nomes como Bessel van der Kolk, Stephen Porges e Peter Levine.

O que é Trauma?

Trauma pode ser definido como uma resposta desregulada do organismo diante de uma ameaça percebida como avassaladora. Não é o evento em si, mas o impacto que ele tem sobre o sistema nervoso. Eventos como abusos, negligência, acidentes ou situações de ameaça contínua podem deixar marcas profundas no corpo e no cérebro, alterando padrões emocionais, comportamentais e fisiológicos.


Corpo e Cérebro: A Fisiologia do Trauma

Estudos em neuroimagem e neurobiologia afetiva mostram que o trauma reorganiza o funcionamento cerebral. Regiões como a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal são diretamente impactadas:

  • A amígdala, responsável pela detecção de ameaças, permanece em alerta constante;

  • O hipocampo, que organiza memórias, pode sofrer redução volumétrica;

  • O córtex pré-frontal, que regula emoções e comportamentos, tem sua atividade comprometida.

Além disso, o trauma afeta profundamente o sistema nervoso autônomo, responsável pela regulação de funções como respiração, batimentos cardíacos e tensão muscular. A teoria polivagal, proposta por Stephen Porges (2011), explica como o corpo entra em estados de luta, fuga ou congelamento, muitas vezes de forma crônica e inconsciente.


A Psicologia Corporal e o Trauma

A Psicologia Corporal, surgida no século XX com Wilhelm Reich, já afirmava que o corpo guarda as experiências emocionais não processadas. Reich introduziu o conceito de couraça muscular – tensões crônicas que se formam como defesas inconscientes diante de vivências emocionais intensas.

Essa teoria ganha reforço com os achados contemporâneos: o trauma, de fato, se manifesta como tensão muscular crônica, alterações na postura, bloqueios respiratórios e sensações corporais dissociadas.

A prática clínica baseada na Psicologia Corporal busca acessar essas memórias corporais por meio da atenção somática, da respiração, do movimento expressivo e da regulação do tônus muscular, promovendo uma reintegração corpo–mente.


Evidências Científicas e Abordagens Contemporâneas

Autores contemporâneos como Bessel van der Kolk (2020), no livro “O Corpo Guarda as Marcas”, reforçam que a cura do trauma precisa passar pelo corpo. 

Estudos controlados demonstram que intervenções somáticas podem reduzir sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão e ansiedade, promovendo autorregulação emocional e neurofisiológica. (MAROTI, 2025)


Conclusão

A ciência contemporânea nos mostra que corpo e mente são inseparáveis. O trauma deixa marcas no cérebro, nos músculos, na respiração e no modo como o sujeito se relaciona com o mundo. Reconhecer essa dimensão somática do sofrimento é um passo fundamental para uma psicoterapia mais eficaz, compassiva e integrada.

A Psicologia Corporal, ao se aproximar das descobertas da neurociência, amplia seu campo de atuação e se reafirma como uma abordagem clínica potente e necessária no cuidado ao trauma.

Referências

KOLK, Bessel van der. O corpo guarda as marcas: cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Rio de Janeiro: Sextante, 2020.

MAROTI, Daniel et al. Internet-based emotional awareness and expression therapy for somatic symptom disorder: a randomized controlled trial. Journal of Psychosomatic Research, v. 163, p. 111068, dez. 2022. DOI: 10.1016/j.jpsychores.2022.111068. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2022.111068. Acesso em: 21 out. 2025.

PORGES, Stephen W. The Polyvagal Theory: Neurophysiological Foundations of Emotions, Attachment, Communication, and Self-regulation. New York: W. W. Norton & Company, 2011.

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(1) José Henrique Volpi / Curitiba / PR / Brasil
é psicólogo clínico (CRP-08-3685), professor e pesquisador em Psicologia Corporal. Atua na formação de terapeutas corporais e integra fundamentos da psicodinâmica, da neurociência e das abordagens somáticas no atendimento clínico. (Saiba +)

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