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Os sussurros do corpo: revelações pela luz da energia orgone de Wilhelm Reich

OS SUSSURROS DO CORPO: REVELAÇÕES PELA LUZ DA ENERGIA ORGONE DE WILHELM REICH

Luciane Costa Rabelo (1)
Jose Henrique Volpi (2)

RESUMO

Este artigo explora a teoria bioenergética de Wilhelm Reich e sua aplicação na compreensão da interação entre corpo, mente e emoções. Destacando o conceito de “orgone” e sua relação com as correntes vegetativas, bem como a importância de compreender o ser humano pelo paradigma energético, são investigadas as interconexões dinâmicas estabelecidas por Reich entre energia, emoções e funcionamento orgânico. Além disso, discute-se a relevância clínica da terapia corporal reichiana na liberação de bloqueios emocionais e na promoção do bem-estar psicossomático. Ao examinar a visão holística de Reich, este artigo oferece insights sobre as complexas interações entre energia bioelétrica, emoções e saúde, destacando a importância das correntes vegetativas na busca por equilíbrio e vitalidade.

Palavras-chave: Correntes Vegetativas. Energia Orgone. Reich. Terapia Corporal Reichiana. 

Publicado em: 20/04/2024
Páginas: 45 – 52
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Wilhelm Reich (1897-1957), figura proeminente no campo da psicanálise e psiquiatria, deixou um legado marcante por suas inovadoras abordagens teóricas e clínicas. Nascido na Áustria, Reich inicialmente colaborou com Sigmund Freud, desempenhando um papel importante na disseminação das ideias psicanalíticas na década de 1920. No entanto, sua trajetória tomou um curso único com o desenvolvimento de conceitos revolucionários que transcenderam as fronteiras da psicanálise tradicional.

Reich não se limitou à psiquiatria e a psicologia, estendendo sua exploração para a interseção da psique e do corpo, sendo um cientista, enveredou pelo campo da  biologia,  física, filosofia e sociologia. Sua busca por uma compreensão mais profunda da natureza humana levou à introdução do conceito central de “orgone”, uma energia cósmica que  permeia tudo no universo, incluindo o corpo humano. Essa abordagem inovadora culminou em uma visão holística da saúde, na qual a energia orgone, expressa por meio das correntes vegetativas, desempenhava um papel vital.

Reich também foi um defensor incansável da revolução sexual e criticou as normas sociais repressivas de sua época, que persistem até hoje. Essas visões progressistas resultaram em conflitos com a comunidade científica e a sociedade, levando à perseguição e ao exílio de Reich. Apesar desses desafios, seu impacto perdura, inspirando debates e pesquisas nas áreas da psicologia, ciências naturais e filosofia.

Reich observou que a energia orgone se manifesta como uma pulsação rítmica que flui por todo o organismo, influenciando o funcionamento de todo o organismo, da contração muscular, transmissão de impulsos nervosos, da postura, das expressões e dos movimentos.  Essa energia impulsiona os movimentos do corpo, sendo fundamental para compreendermos a interação entre a energia , as emoções e o funcionamento orgânico.

Nesse contexto complexo de interações entre sensações corporais, psique e energia orgone, Wilhelm Reich contribuiu significativamente para a compreensão das emoções humanas. Sua abordagem única, que considera as emoções como movimentos internos, como fenômenos biológicos. Para Reich as emoções não eram experiências subjetivas, mas sim movimentos energéticos, que se manifestaram no corpo, através das mudanças fisiológicas, como alterações na respiração, frequência cardíaca, temperatura corporal, circulação sanguínea e tônus muscular e outras , como também influencia nas sensações, na memória, na capacidade de concentração, tomada de decisões, e é fundamental para a libido, o desejo sexual e a capacidade de alcançar o orgasmo.

Essa energia, segundo Reich (1989), se manifesta como correntes vegetativas  que fluem pelo corpo nos sete segmentos. As correntes vegetativas são movimentos pulsáteis de energia orgone que se manifestam no corpo.

Estas correntes vegetativas ou plasmáticas,  estão intrinsecamente ligadas aos estados emocionais de prazer e angústia onde as funções biológicas primordiais de contração e expansão são aplicáveis tanto no domínio psíquico quanto no somático. (REICH, 1975) E assim ele estabelece  uma interconexão entre energia, emoções e funcionamento orgânico. O conceito de Unidade funcional de Reich, descreve bem esta  interconexão, sendo uma integração dinâmica e interdependente entre processos psíquicos e físicos do organismo.

 

A investigação mostra que os impulsos e sensações não são produzidos pelos nervos, mas apenas transmitidos por eles. Os impulsos e as sensações são ações biológicas do organismo total. ( REICH, 1975, p. 146).

 

Na perspectiva da “Unidade Funcional”, Reich propõe que o organismo humano opera como uma entidade coesa, onde os processos bioenergéticos e as experiências emocionais estão intrinsecamente interligados. Em termos práticos, isso significa que a maneira como experimentamos sensações corporais, influenciadas pelas correntes vegetativas (movimentos plasmáticos)  e a energia orgone, tem implicações diretas em nosso funcionamento psíquico.

No cerne das teorias de Wilhelm Reich sobre as correntes vegetativas, encontramos uma afirmação fundamental que lança luz sobre a essência dos impulsos biológicos e sensações do organismo. Reich argumenta que todos esses fenômenos podem ser simplificados e compreendidos através do prisma da expansão e contração. Nessa perspectiva as emoções primárias, como medo, raiva, angústia e prazer, são como bússolas biológicas que orientam o organismo vivo na satisfação de suas necessidades básicas. Assim como a fome nos impulsiona a buscar alimento, essas emoções nos motivam a tomar ações que garantam nossa sobrevivência e bem-estar.

 

[…] todos os impulsos biológicos e sensações biológicas do organismo podem ser reduzidos a expansão (alongamento, dilatação) e contração ( encolhimento, constrição) (REICH, 1975, p.  146)

 

Assim como a respiração alterna entre inspiração e expiração, o corpo pulsa em um ritmo natural de expansão (descarga) e contração (carga). Essa dança energética se manifesta em todos os níveis do ser, desde as contrações musculares até as flutuações emocionais.

No universo das correntes vegetativas de Reich (1989), as sensações no corpo revelam um elo direto com as emoções do cotidiano. Imagine a empolgação ao receber boas notícias – é como uma energia vibrante que percorre todo o corpo, deixando-o pulsante. Em contrapartida, momentos relaxantes induzem uma corrente de calma e alívio, alastrando-se por músculos e pensamentos. Já a ansiedade desencadeia uma corrente inquieta, gerando “borboletas” no estômago e tremores nervosos. O descontentamento, por sua vez, provoca uma corrente de desconforto, expressa por tensões físicas diante de frustrações. Por fim, a alegria serena tece uma corrente suave de bem-estar, evidenciando como nossas emoções encontram eco físico. Um exemplo  de como as correntes vegetativas podem se manifestar no coletivo, é a excitação dos torcedores de um time pode criar uma corrente vibrante, durante uma partida de futebol. Esses exemplos  ilustram a íntima dança entre emoções e sensações corporais.

Emoção, do latim, “emovere”, significa “mover para fora”. Mais do que um mero movimento, é uma vibrante dança interior, com a mobilidade das correntes vegetativas ou movimentos  plasmáticos num turbilhão de sensações e reações que nos impulsiona, colore nossa percepção e molda a nossa experiência no mundo.

Segundo Reich, as correntes vegetativas representam o fluxo plasmático de energia bioelétrica pelo corpo, sendo essenciais para a expressão saudável das emoções. No entanto, a neurose, entendida como a repressão crônica de emoções, interrompe esse fluxo, resultando na formação de couraças musculares como mecanismo de defesa. Essas couraças, manifestadas fisicamente como tensões musculares, bloqueiam as correntes vegetativas, gerando um ciclo de energia estagnada e emoções reprimidas.

Segundo Reich (1989) “a rigidez muscular e a rigidez psíquica são uma unidade, sinal de uma perturbação da motilidade vegetativa do sistema biológico como um todo”. Esse encouraçamento torna a pessoa menos sensível ao desprazer, mas também restringe sua motilidade agressiva e libidinal, reduzindo assim a capacidade de realização e de prazer (REICH, 1989, p. 314). A couraça inibe ou reduz drasticamente o fluxo de toda e qualquer forma de excitação. O desenvolvimento das couraças musculares, como resposta à repressão prolongada de sentimentos, torna-se uma entrave, bloqueando essas correntes vegetativas e resultando em um ciclo de energia estagnada e emoções reprimidas. Essas couraças se manifestam fisicamente como áreas de tensão muscular, tornando-se uma espécie de “armadura emocional”.

Em humanos, emoções, e impulsos assumem uma dimensão psíquica complexa, transcendem a mera biologia e se revestem de significado, passíveis de serem expressos através da linguagem verbal. No entanto, a natureza bioenergética do ser humano não se limita àquilo que pode ser simbolizado ou verbalizado. A linguagem verbal, recurso poderoso, também pode se tornar uma barreira. “A palavra falada esconde a linguagem expressiva do núcleo biológico”. (REICH, 1989, p. 323) O excesso de palavras pode afastar o indivíduo da conexão com suas emoções, funcionando como um mecanismo de defesa.

Ainda de acordo com Reich (1989, p. 324), “a biopatia humana, na verdade, nada mais é do que a soma total de todas as distorções dos modos de expressões naturais do organismo”. Portanto, a biopatia é o resultado de bloqueios da energia vital,  as couraças. O organismo possui mecanismos naturais para expressar a energia, como a respiração, a motilidade intestinal, sexualidade e o orgasmo. Quando esses impulsos naturais são reprimidos surgem as doenças. 

Reich afirma que “…Toda rigidez muscular contém a história e o significado da sua origem” (1975, p. 248).  Sendo assim, a maneira como nos sentimos e como nos relacionamos com o mundo pode ser expressa através da tensão muscular. De acordo com Reich, as couraças musculares se formam como uma resposta a traumas e bloqueios emocionais. Essas couraças são áreas de rigidez muscular que podem se manifestar em diferentes partes do corpo. As áreas de tensão ficam contraídas e limitam a expansão e a descarga energética, levando a diversos distúrbios físicos e emocionais. A expansão está associada à descarga energética, prazer, alegria, excitação, abertura e vitalidade e a contração associada à carga energética, angústia, tristeza, medo, fechamento e bloqueio.

Baker (1980), explica de uma perspectiva energética da psicologia, enfatizando a interconexão entre corpo e mente e como as emoções são manifestadas através de padrões de energia no corpo humano, ele descreve uma visão da excitação emocional e seus efeitos.

A excitação decorre do sistema nervoso vegetativo que estabelece a direção do fluxo energético, quando abre determinados canais dentro do corpo e fecha outros. A intensidade da excitação, ao lado do montante de energia determinam a força da carga ou impulso de qualquer fluxo em particular. Este fluxo de energia é vivenciado como emoção. Por exemplo, a raiva decorre de um fluxo de energia para os músculos; o prazer, semelhante à expansão, resulta de fluxo energético para a superfície da pele (os genitais são parte da pele ou ectoderma) ; e a ansiedade acontece se o fluxo de dirige para dentro, para os órgãos internos, causando necessariamente uma contração do organismo. (BAKER, 1980, p. 35)

Reich (1975) concebe a saúde com base na habilidade do indivíduo de alternar harmoniosamente entre o sistema nervoso simpático e o parassimpático. Essa oscilação rítmica, onde a expansão em um sistema coincide com a contração no outro, representa o ritmo essencial da vida. A incapacidade de manter esse equilíbrio dinâmico é apontada por Reich como a origem das patologias. Segundo sua teoria, a fórmula do orgasmo, composta por quatro estágios – tensão mecânica, carga bioelétrica, descarga bioelétrica e relaxamento – é o caminho pelo qual o organismo atinge a autorregulação, avançando em direção ao equilíbrio homeostático quando esse ciclo é concluído com sucesso. Essa perspectiva destaca a importância do fluxo bioelétrico e do ritmo entre os sistemas nervosos na manutenção da saúde.        

Para Reich (1975), a vegetoterapia tinha como objetivo restabelecer, no decorrer do seu processo, o reflexo do orgasmo. A vegetoterapia visava reconectar os indivíduos com a expressão plena de sua energia, buscando restabelecer a integração psicossomática e proporcionar uma vivência saudável do orgasmo. Para Reich, o orgasmo não era apenas um fenômeno físico, mas um reflexo vital de equilíbrio e liberação emocional, sendo a vegetoterapia um caminho para resgatar essa dimensão fundamental da experiência humana.

Na psicoterapia corporal reichiana, as correntes vegetativas desempenham um papel crucial na compreensão e liberação de bloqueios emocionais, dessas couraças, visa restaurar o livre fluxo das correntes vegetativas. Reich postula que a plena expressão das correntes vegetativas durante o orgasmo é vital para a saúde mental e física, permitindo a descarga completa de energia represada e facilitando a resolução de conflitos emocionais. Nesse contexto, as técnicas terapêuticas visam desbloquear as correntes vegetativas, proporcionando uma experiência orgástica livre de inibições, e, por conseguinte, contribuindo para o equilíbrio emocional e corporal do indivíduo.

 

[…] a dissolução de um espasmo muscular não só libera a energia vegetativa,            mas, além disso e principalmente, reproduz a lembrança da situação de infância na qual ocorreu a repressão do instinto. Pode-se dizer que toda rigidez muscular contém a história e o significado de sua origem. (REICH, 1975, p. 153).

 

A reflexão de Baker (1980) destaca a profunda interconexão entre a liberdade do movimento plasmático e a experiência sensorial no organismo quando desprovido de bloqueios. Esse fluxo livre não apenas possibilita sensações vívidas nos órgãos, mas também desencadeia uma percepção tridimensional do corpo. Em um estado isento de obstáculos, o indivíduo alcança uma consciência completa de seu corpo, sintonizando-se com suas sensações, desejos e necessidades. A visão de Baker ressalta a importância intrínseca das correntes vegetativas na promoção de uma consciência corporal ampliada, destacando a conexão vital entre a liberação plasmática e a compreensão integral do self físico e emocional. Essa perspectiva reforça a relevância das correntes vegetativas na busca pelo equilíbrio e bem-estar holísticos.

 

Quando o organismo está isento de bloqueios, há um movimento plasmático que flui livre e que dá margem a sensações (a nível dos órgãos), além de conferir uma percepção tridimensional do corpo. […] O indivíduo toma consciência completa do corpo, de suas sensações, de seus desejos e necessidades. (BAKER, 1980, p. 91)  

    

 Em síntese, as correntes vegetativas, conforme propostas por Wilhelm Reich, representam o fluxo plasmático de energia bioelétrica pelo corpo humano. Essas correntes são fundamentais para a expressão saudável das emoções, sendo a sua interrupção, causada pela neurose e formação de couraças musculares, um ciclo que gera estagnação energética e repressão emocional. A terapia reichiana busca desbloquear essas couraças, permitindo o livre fluxo das correntes vegetativas e restaurando a autorregulação, vital para o equilíbrio psicossomático. O reflexo do orgasmo, buscado na vegetoterapia, é considerado por Reich não apenas um fenômeno físico, mas um reflexo essencial de equilíbrio e liberação emocional. Nesse contexto, as correntes vegetativas tornam-se a chave para compreender as complexas interações entre energia bioelétrica, emoções e funcionamento orgânico. Essa síntese destaca o papel crucial dessas correntes na busca por bem-estar e equilíbrio holísticos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A teoria bioenergética de Wilhelm Reich oferece uma perspectiva única sobre a natureza humana, destacando a importância da energia na interação entre corpo, mente e emoções. Através da noção de “orgone” e das correntes vegetativas, Reich propõe uma abordagem holística que considera tanto os aspectos físicos quanto os psicológicos do ser humano.

Esta concepção do homem como um organismo energético em constante interação com seu ambiente tem implicações significativas na prática clínica e nas abordagens terapêuticas contemporâneas. Ao reconhecer a influência da energia na saúde mental e física, os terapeutas podem adotar uma abordagem mais integrativa e completa para o tratamento de distúrbios emocionais e psicossomáticos.

A revolucionária teoria das correntes vegetativas e da energia orgone proposta por Wilhelm Reich deixou um legado duradouro, influenciando profundamente abordagens terapêuticas contemporâneas como a Biossíntese de David Boadella, a Biodinâmica de Gerda Boyesen e a Bioenergética de Alexander Lowen.

Além disso, a ênfase de Reich na liberação de bloqueios emocionais e na promoção do bem-estar psicossomático destaca a importância da terapia corporal reichiana como uma ferramenta eficaz para alcançar o equilíbrio emocional e físico. Ao restaurar o fluxo livre das correntes vegetativas, os indivíduos podem experimentar uma maior harmonia interna e uma sensação renovada de vitalidade.

Em resumo, a concepção do homem pela energia, como proposta por Wilhelm Reich, continua a ser uma fonte de inspiração e insight na compreensão da complexa interação entre corpo, mente e emoções.  As pesquisas e teorias de Wilhelm Reich representam um convite a explorar novas possibilidades de ser e estar no mundo. Através da perspectiva energética e do conceito de orgone, podemos abrir caminho para uma compreensão mais profunda do ser humano e para o desenvolvimento de um futuro mais saudável, livre e harmonioso.




REFERÊNCIAS

 

BAKER, E. O labirinto humano. São Paulo: Summus, 1980.

 

REICH, W. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

 

REICH, W. A Função do orgasmo. São Paulo: Martins Fontes, 1975.

RABELO, Luciane Costa; VOLPI, José Henrique. Os sussurros do corpo: revelações pela luz da energia orgone de Wilhelm Reich. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2024. v. 25, p. 45-52. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-25-ano-2024/. Acesso em: _____.

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