O tratamento da obesidade em indivíduos com traço de caráter oral segundo a terapia corporal reichiana
O TRATAMENTO DA OBESIDADE EM INDIVÍDUOS COM TRAÇOS DE CARÁTER ORAL SEGUNDO A TERAPIA CORPORAL REICHIANA
Ana Larissa Lima (1)
José Henrique Volpi (2)
RESUMO
A fase de desenvolvimento oral é aquela que compreende do décimo dia de vida aos dezoito meses. Indivíduos que enfrentam privações ou não tiveram as suas necessidades atendidas nessa fase nessa fase podem desenvolver uma estrutura de caráter oral, caracterizada por comportamentos dependentes, depressivos e melancólicos, com predisposição a vícios e compulsões. Essas características aumentam a tendência à obesidade, tornando o tratamento desafiador, devido a possíveis bloqueios nos segmentos ocular e oral, associados a comportamentos de dependência e medo do abandono, que pode aumentar a tendência para compulsão e obesidade. Assim, para o sucesso no processo de emagrecimento, é essencial que o terapeuta adote uma abordagem holística, indo além de questões externas como alimentação e exercícios, e auxilie o paciente na identificação e tratamento das verdadeiras causas da obesidade como as limitações e bloqueios relacionados ao caráter oral.
Palavras-chave: Emagrecimento. Obesidade. Oralidade. Psicologia. Reich.
Publicado em: 14/02/2024
Páginas: 28 – 32
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Nos últimos anos, é possível observar o crescimento significativo nos casos de excesso de peso e obesidade, de forma que essa doença multifatorial vem tornando-se uma questão global. De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade (2023), a projeção é que em 2035 1 em cada 4 pessoas (quase 2 bilhões) estarão com obesidade e mais da metade da população mundial (cerca de 4 bilhões) viverá com sobrepeso. Essa doença é preocupante pois gera consequências tanto na saúde do indivíduo, tais como distúrbios metabólicos, com a Diabetes tipo 2 e a resistência à insulina, osteoartrite, diversos tipos de câncer, doença renal crônica e outras condições que aumenta o risco de mortalidade, além de que indivíduos obesos estão vulneráveis a questões sociais, como isolamento e discriminação que aumenta o risco de desenvolver doenças psicológicas (DA CRUZ, et. Al., 2023).
O crescente número de métodos e informações disponíveis para o tratamento da obesidade, não reduz os desafios para o seu tratamento e controle tanto para os pacientes como também para os profissionais da área. De forma que mesmo a obesidade sendo identificada como um evento de controle prioritário, observa-se uma lacuna nas ações voltadas para um tratamento do indivíduo obeso, incluindo até as próprias diretrizes do Ministério da Saúde que priorizam o modelo biológico, enfocando aspectos como orientação nutricional, atividades físicas e tratamento clínico de comorbidades, deixando a desejar sobre os fatores psicológicos e sociais que podem contribuir para a complexidade da obesidade, especialmente quando associada à depressão (MORAES, ALMEIDA & SOUZA, 2013).
Dessa forma, uma possibilidade de olhar o paciente obeso através de um olhar integral é através da psicoterapia corporal reichiana. A psicoterapia corporal que tem sua origem com o Wilhelm Reich (1897-1957), médico e ex-discípulo de Sigmund Freud (1856-1939), é uma abordagem que concebe o ser humano como uma entidade onde mente e corpo são entidades inseparáveis e interdependentes, com origem na energia biológica (Castro, 2019). Dentro dessa abordagem, surgiu a análise do caráter que é uma técnica que tem como objetivo analisar a história e o comportamento do paciente através da observação das couraças pela leitura corporal e assim tornar consciente os conflitos inconscientes presentes no corpo e mente. Para Lowen (Apud Machado e Volpi, 2014), o caráter é como o cavaleiro medieval, e a armadura, sua defesa, de forma que este pode ser determinado através da observação do estudo do comportamento de uma pessoa, e dentro de cada grupo dos tipos de caráter o desenvolvimento de cada um deles depende de muitos fatores, de forma que as classificações variam tanto qualitativa quanto quantitativamente no grau de oralidade, analidade e falicidade de cada pessoa.
Dentro dessa classificação, Volpi e Volpi (2003) definem o oral como uma pessoa dependente, passiva, com tendência a depressão é uma necessidade excessiva de atenção, além de ter um forte medo do abandono, que gera um comportamento de dependência ou fantasia, e ainda pode apresentar ansiedade, narcisismo, dificuldade em compreender desejos e necessidades dos outros e distúrbios ortodônticos, bruxismo, bulimia, obesidade, alcoolismo, etc. Esse caráter é formado durante a etapa de desenvolvimento chamada de oral, que é a fase entre o décimo dia de vida e os dezoito meses. O ideal nessa fase, seria uma amamentação de qualidade, com contato e carinho e um desmame gradativo, quando isso não acontece pode ocorrer um bloqueio nesta fase, que é justamente o que gera o caráter oral e um indivíduo dependente e com todas as características supracitadas.
Essas características fazem com que indivíduos orais tenha uma maior tendência a obesidade, como também apresentem dificuldades no tratamento da doença, visto que o medo do abandono gera uma dor inconsciente que pode provocar comportamentos compulsivos em relação a alimentação, além de uma falta de maturidade emocional para lidar com as frustrações da vida adulta e as próprias ações propostas pelos profissionais em seu processo de perda de peso. Pensando em facilitar o manejo do tratamento da obesidade em indivíduos com alta oralidade, Lima (2020) através da abordagem do método de Emagrecimento comportamental®, classifica o indivíduo orais como “Compulsivo emocional” e propõe uma abordagem que busca oferecer o tratamento de perda de peso levando em consideração a forma de funcionar.
Ao levar em consideração as características físicas e comportamentais desses indivíduos, Lima (2020) propõe uma lista de ações que podem ser implementadas para que a adesão ao emagrecimento seja mais efetiva:
– A alimentação deve estimular a mastigação. Ex.: evitar sopas, vitaminas e shakes, pois não vai matar a sua fome
– As comidas devem proporcionar prazer e conforto.
– No começo do tratamento, não é recomendado estratégias com muita restrição, como proibição de alimentos, jejum intermitente, lowcarb restritiva ou cetogênica.
– Devem dar preferência às atividades em grupo como: crossfit, aulas de ginástica coletiva e treinos em grupo.
– Devem buscar compreender melhor suas emoções e perceber seus sentimentos quando forem comer sem fome.
– Quando sentirem vontade de chorar, devem evitar prender o choro e se possível compartilhar suas emoções com alguém que lhe dê afeto, ao invés de comer.
– Mesmo quando não entenderem ou não souberem explicar o motivo pelo qual não está bem, os seus sentimentos e emoções devem ser acolhidos e respeitados.
– Para evitarem abandonar o processo, precisam buscar profissionais que se mantenham próximos durante o tratamento. Caso sintam-se abandonados podem desistir do tratamento.
– Funcionam bem em grupo de emagrecimento, pois além de se sentirem acolhidos, vão acolher os outros participantes.
Além dessas ações, Leitner (2014), sugere para o tratamento da obesidade em indivíduos orais que a agressividade também seja trabalhada pois pode estar reprimida nesses pacientes, a respiração como meio de se energizar sem precisar recorrer a alimentação a todo momento, exercícios e grounding também podem ser efetivos.
Levando em consideração o cenário da pandemia do covid-19, Gazir e Volpi (2022) sugerem um projeto terapêutico de amadurecimento para indivíduos orais que também podem auxiliar no tratamento da obesidade. A orientação é uma terapia com foco no acolhimento, mas também a imposição de limites, para que o oral encontre o seu próprio limite, a análise do caráter para que o paciente enxergue como ele funciona no mundo, exercícios através da respiração, massagens e actings para ajudar a desbloquear suas couraças e amadurecer seu caráter, evidenciando ainda que as técnicas são importantes, mas o vínculo com o paciente é essencial.
Assim, podemos concluir que para que os orais possam ter sucesso no tratamento da obesidade, é preciso que um projeto terapêutico holístico seja desenvolvido com foco em amadurecer a sua oralidade, reduzindo a dependência e aumentando a sua sustentação e autorresponsabilidade. A implementação de ações e hábitos saudáveis levando em consideração a forma de funcionar desse paciente, como também um trabalho corporal e respiratório para desbloqueio das couraças. A sugestão é que os segmentos de couraça ocular e oral sejam levados em consideração nesse processo, tanto para reorganizar a visão, aumentar a percepção da realidade para sair do mundo de fantasia, que pode ser algo que gera em alguns indivíduos a falta de percepção do ganho de peso (transtorno dismórfico corporal), como também para que as emoções possam ser expressas de uma forma saudável e madura ao invés de serem depositadas na comida.
REFERÊNCIAS
CASTRO, G. F. O. Psicoterapia Corporal Reichiana: noções básicas. In: VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara. Psicologia Corporal. Revista Online. ISSN-1516-0688. Curitiba: Centro Reichiano, Vol. 20, 2019.
DA CRUZ, E. P. R. et al. Obesidade na Atualidade: Abordagem das Principais Consequências a Longo Prazo. Brazilian Journal of Health Review, v. 6, n. 2, p. 5407-5416, 2023.
GAZIR, A.; VOLPI, J. H. O caráter oral na psicologia corporal e a importância de seu amadurecimento no contexto da pandemia do COVID-19. Psicologia Corporal. Revista Online. Curitiba: Centro Reichiano, vol. 23., 2022.
LEITNER, P. C. C. A obesidade como um sintoma psicossomático. In: VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Org.). Anais. 19º CONGRESSO BRASILEIRO e 3ª CONVEÇÃO BRASIL-LATINOMÉRICA DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. Curitiba/PR. Centro Reichiano, 2014.
LIMA, A. L. Emagrecimento consciente. Recife: Editora Panda, 2020.
MACHADO, C. C.; VOLPI, J. H. Caráter oral e suas coberturas. In: VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Org.). Anais. 19º CONGRESSO BRASILEIRO e 3ª CONVEÇÃO BRASIL-LATINOMÉRICA DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. Curitiba/PR. Centro Reichiano, 2014.
MORAES, A. L.; ALMEIDA, E. C.; SOUZA, L. B. Percepções de obesos deprimidos sobre os fatores envolvidos na manutenção da sua obesidade: investigação numa unidade do Programa Saúde da Família no município do Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 23, p. 553-572, 2013.
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Reich: A Análise Bioenergética. Curitiba: Centro Reichiano, 2003.
WORLD OBESITY FEDERATION. Atlas mundial da obesidade. 2023.
LIMA, Ana Larissa; VOLPI, José Henrique. O tratamento da obesidade em indivíduos com traço de caráter oral segundo a terapia corporal reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2024. v. 25, p. 28-32. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-25-ano-2024/. Acesso em: _____.
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