Terapia Corporal à Distância

TERAPIA CORPORAL À DISTÂNCIA: ENFRENTANDO OS DESAFIOS DO TRABALHO CORPORAL EM SESSÕES VIRTUAIS

Jose Henrique Volpi

RESUMO

A psicologia corporal, uma abordagem psicoterapêutica desenvolvida ao longo do século XX, destaca a importância do corpo no processo terapêutico. Esta abordagem fundamenta-se na premissa de que experiências emocionais e traumas são armazenados no corpo e que, para uma cura efetiva, é necessário explorar a interconexão entre mente e corpo. Um dos debates centrais nesta prática é o papel do toque na terapia: deve o terapeuta tocar ou não o cliente? E como essa questão é abordada em sessões virtuais? Este artigo examina as implicações e considerações desse dilema no contexto da psicologia corporal.

Palavras-chave: Corpo. Reich. Terapia Online.

Publicado em: 28/08/2024
Páginas: 58 – 62
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A psicologia corporal, influenciada por teorias de Wilhelm Reich e outros pioneiros, propõe que as emoções e traumas se manifestam não apenas na mente, mas também no corpo. Esta abordagem integra técnicas que envolvem o corpo, como respiração, movimento e toque, para ajudar os clientes a acessar memórias e liberar tensões emocionais. O corpo é visto como um depósito de experiências passadas e um meio através do qual mudanças emocionais podem ocorrer.

Para muitos praticantes de psicologia corporal, o toque é uma ferramenta importante. Esse foi um legado que Wilhelm Reich nos deixou quando descobriu a couraça muscular e desenvolveu a técnica da vegetoterapia. A vegetoterapia está centrada na relação entre a musculatura e a memória emocional. Reich foi um pioneiro ao identificar a “couraça muscular”, um termo que descreve a rigidez e o bloqueio energético acumulados na musculatura como resultado de experiências emocionais reprimidas. Ele propôs que essas couraças musculares poderiam ser desbloqueadas através do toque, permitindo que as emoções retidas emergissem para a consciência.

No entanto, Reich não pôde continuar seus estudos sobre a couraça muscular após suas descobertas iniciais, pois redirecionou suas pesquisas para o conceito de energia orgônio. Foi então que ele encarregou um de seus alunos, Ola Raknes, de desenvolver uma metodologia específica para abordar os bloqueios energéticos causados pelas couraças musculares. Raknes, por sua vez, passou essa tarefa para Federico Navarro (1996), que criou uma abordagem mais detalhada e estruturada para a vegetoterapia.

Navarro desenvolveu uma metodologia que se distingue pela ênfase na execução de movimentos específicos, ao invés do toque direto do terapeuta. Na vegetoterapia clássica desenvolvida por ele, a massagem reichiana é o único aspecto em que o toque é utilizado. Fora disso, a técnica foca na orientação do paciente para realizar exercícios específicos (actings) que visam estressar a musculatura e liberar as memórias emocionais retidas. O terapeuta desempenha o papel de observador e analista, monitorando os movimentos e ajudando o paciente a refletir sobre as sensações e pensamentos que surgem durante e após os exercícios.

Esse método revela que a terapia corporal não precisa necessariamente depender do toque físico para ser eficaz. O principal é a prática de movimentos que, ao provocar o estresse na musculatura, possibilitam a liberação e a exploração das memórias emocionais armazenadas. O processo de análise conjunta das experiências vividas durante os exercícios proporciona uma compreensão mais profunda das emoções reprimidas e das dinâmicas internas do paciente.

Portanto, a vegetoterapia destaca-se como uma técnica inovadora e eficaz, centrada no movimento e na auto exploração, mostrando que a terapia corporal pode ir além do toque físico e explorar outras formas de promover a liberação emocional e o bem-estar psicológico.

Também é importante considerar que apesar dos potenciais benefícios do toque na terapia corporal, isso levanta várias considerações éticas e culturais. É crucial obter o consentimento explícito do cliente antes de qualquer forma de toque visto termos clientes de diferentes culturas e percepções variadas sobre o toque, o que não os deixam confortáveis com o toque. Nem por isso deixaremos de fazer o trabalho corporal, mesmo sem o toque. Assim, o terapeuta deve ser sensível às crenças e valores pessoais do cliente e adaptar a prática conforme necessário onde a decisão de tocar ou não tocar deve ser guiada pelo princípio fundamental de promover o bem-estar do cliente, atendendo às suas necessidades individuais e garantindo uma experiência terapêutica segura e respeitosa. Alternativas ao toque podem ser igualmente eficazes e devem ser exploradas para garantir uma abordagem terapêutica que respeite a dignidade e a autonomia do cliente. 

A expansão da internet de alta velocidade e a popularização dos dispositivos móveis tornaram a terapia online mais prática e acessível, permitindo que os clientes acessem os serviços no conforto de suas residências. Esse formato elimina barreiras geográficas e logísticas, ampliando o acesso ao suporte para a saúde mental a um público mais amplo, incluindo aqueles que residem em regiões remotas ou com serviços limitados (STOLL; MÜLLER; TRACHSEL, 2020). 

De acordo com Van Kessel e colaboradores (2024, p. 27), “O surgimento da pandemia COVID-19 em 2019 resultou em uma mudança abrupta na forma como a psicoterapia era oferecida, tornando a terapia online a única opção viável para os clientes”. A terapia online emergiu como uma alternativa não apenas viável, mas frequentemente essencial para a prática psicoterapêutica, especialmente em tempos de distanciamento social e acesso limitado a serviços presenciais. No entanto, a transição do trabalho presencial para o ambiente virtual impõe desafios específicos, particularmente para abordagens como a psicologia corporal, que tradicionalmente envolvem o trabalho físico com o corpo. A seguir, serão explorados alguns dos desafios e possíveis adaptações necessárias para a prática da psicologia corporal na terapia online.

A terapia online pode proporcionar acesso a clientes que enfrentam barreiras geográficas ou logísticas para sessões presenciais, facilitando uma maior continuidade e regularidade na prática terapêutica. No entanto, muitos terapeutas questionam: como pode a terapia corporal online abordar a ausência de toque físico, como massagens ou ajustes posturais? O toque, que é uma ferramenta crucial para facilitar a consciência corporal e liberar tensões, não está disponível na terapia online. A falta de contato físico pode gerar sentimentos de desconexão ou frustração, que devem ser abordados com sensibilidade e criatividade. Os terapeutas podem adaptar técnicas utilizadas na terapia presencial para as sessões virtuais, encorajando os clientes a explorar novas formas de conexão e expressão. O trabalho corporal não deve ser visto como a única ferramenta terapêutica, podendo ser complementado por outras atividades, como desenhos, uso de ícones (objetos intermediários) e técnicas de visualização.

Outro desafio da terapia online é que os clientes podem não ter o ambiente adequado para realizar exercícios corporais durante as sessões virtuais, uma vez que a falta de espaço ou a necessidade de privacidade pode reduzir a eficácia das práticas que exigem movimento físico. Por outro lado, a terapia em casa pode oferecer um ambiente mais confortável e privado para alguns clientes, facilitando a exploração de questões corporais e emocionais sem as preocupações associadas a um espaço clínico. Portanto, é essencial orientar o cliente a encontrar um ambiente físico adequado para a terapia. Caso contrário, pode ser mais eficaz suspender a terapia até que as condições adequadas possam ser estabelecidas. Em minha experiência, enfrentei muitos desafios nesse sentido, sendo comum que pacientes realizassem a terapia de dentro do carro. Se, por um lado, isso facilita a parte analítica e verbal da terapia, por outro, limita os trabalhos corporais que exigem movimento do corpo todo. Nestes casos, a criatividade e a adaptação dos recursos se tornam fundamentais.

A interação através de uma tela também pode restringir a capacidade do terapeuta de observar nuances corporais e sutilezas na linguagem não verbal, elementos frequentemente usados para compreender o estado emocional e físico do cliente. No entanto, os terapeutas podem solicitar que os clientes enviem fotos para observar aspectos como postura e tensão, o que pode ajudar no diagnóstico das características e das couraças corporais. Embora a análise por meio de fotos não substitua completamente a observação direta, pode fornecer informações valiosas e complementar a avaliação clínica.

Adaptar as intervenções corporais para o ambiente virtual exige uma abordagem criativa e flexível, mas permite que o trabalho com o corpo continue desempenhando um papel significativo na terapia. Utilizando estratégias apropriadas e adaptando as práticas às condições do ambiente online, os terapeutas podem continuar a promover a consciência corporal e o bem-estar dos clientes, mesmo à distância.

O sucesso da terapia corporal online depende da capacidade do terapeuta de ajustar suas técnicas e da disposição dos clientes para explorar novas formas de conexão e prática. Assim, a terapia online pode continuar a ser uma ferramenta eficaz na abordagem de questões corporais e emocionais, expandindo o alcance e a acessibilidade da psicologia corporal. O futuro da terapia corporal online pode ser transformado por inovações tecnológicas, como realidade virtual e aumentada, que prometem oferecer novas formas de interação e intervenção. A integração dessas tecnologias pode ampliar as possibilidades de trabalho corporal virtual e transformar a prática terapêutica.

 

REFERÊNCIAS

 

NAVARRO, F. Metodologia da vegetoterapia caractero-analítica: sistemática,

semiótica, semiologia, semântica. São Paulo: Summus, 1996

 

STOLL, J. MÜLLER, J. A; TRACHSEL, M. Ethical issues in online psychotherapy: A narrative review. Front Psychiatry. Published online 2020.

 

VAN KESSEL, Kirsten et al. Clients’ experiences of online therapy in the early stages of a COVID19 world: A scoping review. Counselling and Psychotherapy Research, v. 24, n. 1, p. 27-38, 2024.

VOLPI, José Henrique. Terapia Corporal à Distância: Enfrentando os Desafios do Trabalho Corporal em Sessões Virtuais. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2024. v. 25, p. 58-62. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-25-ano-2024/. Acesso em: _____.

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