Corpos em conflito na Bioenergética
CORPOS EM CONFLITO NA BIOENERGÉTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA REPRESENTAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE MASCULINA NA OBRA “AMOR E ORGASMO,” DE ALEXANDER LOWEN
Marcos Roberto Batista (1)
Sandra Mara Volpi (2)
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar a abordagem da homossexualidade masculina na obra “Amor e Orgasmo”, de Alexander Lowen, publicada em 1965. Para isso, será realizada uma breve exposição sobre o tema, juntamente com uma contextualização histórica e uma análise da referida obra.
Palavras-chave: Amor. Homossexualidade masculina. Lowen. Orgasmo.
Publicado em: 17/01/2025
Páginas: 11 – 16
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A problemática da homossexualidade masculina inclui uma série de questões complexas e multifacetadas, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
No âmbito biológico, ainda há muitas indagações acerca dos fatores que determinam a orientação sexual de indivíduos que se sentem atraídos pelo mesmo gênero.
No campo psicológico, esses sujeitos podem lutar contra sentimentos de culpa, ansiedade e vergonha, frequentemente internalizados por padrões heteronormativos.
Na esfera social, homens homossexuais enfrentam, com muita frequência, discriminação, estigmatização e preconceito, o que pode acarretar em dificuldades na aceitação de sua própria identidade e no desenvolvimento de relacionamentos saudáveis.
Além disso, a homossexualidade masculina desafia os modelos tradicionais de masculinidade, agravando ainda mais a integração dessas pessoas na sociedade.
Historicamente, os estudos científicos sobre a homossexualidade começaram no século XIX, impulsionados pela reforma psiquiátrica europeia e pelo interesse em classificar os transtornos mentais. Conforme Spencer (1996), Karl Ulrichs, um advogado alemão e o primeiro ativista homossexual da história, publicou panfletos entre 1864 e 1868 defendendo que o amor entre homens é natural, cunhando o termo uranismo. Em resposta, Karl Westphal, da Universidade de Berlim, criou o termo conträre Sexualempfindung, considerando a homossexualidade congênita e não antinatural. Não obstante, a Alemanha criminalizou a homossexualidade em 1871, revogando a lei apenas em 1994. Psiquiatras como Valentin Magnan e Richard von Krafft-Ebing trataram a homossexualidade como degeneração e anomalia sexual. Ao mesmo tempo, Havelock Ellis, na Inglaterra, argumentou que ela era congênita e natural (Spencer, 1996).
Neste contexto, surgiu a figura revolucionária de Sigmund Freud, que abordou a homossexualidade em vários textos, incluindo “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1996a), “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância” (1996b), “O caso Schreber” (1996c) e “Psicogênese de um caso de homossexualidade numa mulher” (1996d), publicados pela primeira vez em 1905, 1910, 1911 e 1920, respectivamente.
Freud (1996a) considerava a homossexualidade uma orientação sexual autêntica, equiparando-a à heterossexualidade. Segundo o austríaco, essa orientação é fundamentada no complexo de Édipo e na bissexualidade original, sugerindo que a escolha do objeto sexual é independente do sexo, estando presente de forma inconsciente em todos os seres humanos.
Ele aduziu que tanto a homossexualidade quanto a heterossexualidade coexistem de forma latente em todos os indivíduos e que a Psicanálise visa permitir a expressão desses desejos latentes (Freud, 1996d).
Freud (1996a) declarou que a pulsão sexual humana não tem um objeto fixo e é diversificada, anárquica e plural, tendo como meta principal o prazer, distanciando a sexualidade da procriação. Ele refutou a criminalização da homossexualidade e defendeu que ela não é uma doença, e sim uma variante natural da sexualidade humana.
Numa carta de 1935, o pai da Psicanálise reiterou que a homossexualidade não é uma desonra ou vício e que a análise psicanalítica pode ajudar o sujeito a encontrar paz psíquica, independentemente de sua orientação sexual (Vieira, 2009).
Prosseguindo cada vez mais em direção ao objetivo deste artigo, temos o médico e ex-psicanalista Wilhelm Reich, conhecido por suas contribuições fundamentais para as abordagens psicoterápicas corporais e pela análise da sexualidade em termos da economia psíquica.
Reich (1998) acreditava que a sexualidade tinha importância primordial no tratamento terapêutico, sendo a gênese das neuroses dos seus pacientes. Ele argumentava que toda estrutura neurótica tem um distúrbio genital, de uma forma ou de outra, provocando a estase sexual e assim fornecendo à neurose sua fonte de energia.
Para ele, restabelecer a genitalidade madura natural acarretaria o fim da neurose, promovendo uma vida saudável. Além disso, engajou-se em questões político-ideológicas, com o objetivo de combater a repressão sexual, que considerava a origem da infelicidade e da disfunção sexual. Suas concepções políticas incluíam propostas radicais para a época, como a abolição das leis que condenavam as práticas homossexuais e a livre distribuição de anticoncepcionais (Raknes, 1988).
Embora tenha explorado amplamente a sexualidade, Reich deixou poucos escritos sobre a homossexualidade. Em “O combate sexual da juventude” (1978) e “A revolução sexual” (1979), publicadas originalmente em 1932 e 1936, ele aborda a homossexualidade sob um prisma geneticista, dizendo que ela poderia surgir de um desenvolvimento defeituoso na infância.
Mais tarde, Reich (1979) passou a conceber a homossexualidade como uma perturbação psíquica e sexual, não acreditando que ela precisava ser punida ou condenada. Também fez duras críticas à criminalização da homossexualidade na Rússia em 1934, alegando que não era um crime social e deveria ser equiparada à heterossexualidade, exceto em casos de abuso.
Observa-se, assim, aproximações e afastamentos nas visões de Freud e de Reich nessa questão, criando o palco em que se desenvolveram as ideias de Alexander Lowen a esse respeito.
Alexander Lowen foi um renomado terapeuta e escritor, célebre por desenvolver a Análise Bioenergética, uma abordagem psicoterapêutica que combina corpo e mente, inspirada nos princípios de Wilhelm Reich, com o qual estudou e fez terapia por vários anos. Fundou o Institute for Bioenergetic Analysis (IIBA) em 1953, e, a partir daí, sua influência cresceu mundialmente, impactando sociedades em várias partes do mundo, e internacionalizando o Instituto em 1976.
Lowen explorou temas como energia orgástica, amor, orgasmo e depressão em obras icônicas como “O corpo em terapia” (1977), “Bioenergética” (2017) e “Amor e orgasmo” (1988), os quais foram publicados pela primeira vez, respectivamente, em 1958, 1976 e 1965, sendo a última obra foco deste artigo.
“Amor e orgasmo” (1988) é estruturado em 17 capítulos, cada um abordando diferentes aspectos da sexualidade humana. O livro inicia-se com uma discussão sobre a sofisticação sexual em contraste com a maturidade sexual e continua examinando a complexa relação entre amor e sexo em dois capítulos consecutivos.
O autor também discute a individualidade, morte e sexualidade, antes de investigar temas específicos como homossexualidade latente. A heterossexualidade é abordada em um capítulo próprio, seguido por uma análise das diferenças entre a sexualidade masculina e a feminina e a distinção entre sexualidade e sensualidade.
Lowen (1988) dedica dois capítulos de sua obra ao orgasmo sexual e à impotência orgástica, tanto no homem quanto na mulher. O livro também trata do duplo padrão de moralidade sexual e dos papéis tradicionais de homens e mulheres, finalizando com uma reflexão sobre a verdade do corpo. Também chama a atenção do leitor para o modo como a moderna sofisticação de seu tempo frequentemente encobre a imaturidade emocional e os conflitos internos, resultando numa abordagem superficial do sexo que valoriza o desempenho e a técnica acima da autenticidade e satisfação emocional genuína do indivíduo.
Além disso, enfatiza que o sexo não pode ser completamente dissociado do amor, pois ambos compartilham de uma conexão profunda e complexa, influenciada por experiências emocionais desde a infância até a vida adulta.
A teoria da homossexualidade de Lowen, apresentada no livro, baseia-se em quatro pressupostos centrais. Primeiro, ele sugere que o problema do homossexual se origina das relações disfuncionais com a mãe, onde ela busca satisfação emocional e sexual por meio do filho, criando uma relação incestuosa que afeta de forma negativa a identidade da criança. Segundo, mostra como uma dinâmica familiar, em que uma mãe sedutora e um pai rejeitador interagem, pode contribuir para a orientação homossexual do filho. Ele diz que a hostilidade do pai pode afastar o filho da identificação masculina e aproximá-lo ainda mais da figura materna. Terceiro, explica a fixação do homossexual em uma fase infantil do seu desenvolvimento psicossexual, em que o amor por si mesmo se torna primordial, argumentando que ele busca a completa realização através de um amor por uma imagem idealizada de si mesmo, antes de procurar um relacionamento maduro com o outro. Finalmente, o autor descreve o homossexual como alguém com falta de vitalidade corporal, caracterizada pela desconexão entre sexualidade e sentimentos e pela falta de expressão emocional.
Em geral, Lowen (1988) revela suas opiniões críticas e morais sobre a homossexualidade, enquanto busca fundamentar suas ideias com uma teoria psicológica. Ele argumenta que a heterossexualidade é a forma mais adequada e satisfatória de sexualidade, sugerindo que a homossexualidade pode ser reduzida ou eliminada por meio de intervenções terapêuticas.
Concluindo, pode-se observar que a visão de Lowen sobre a homossexualidade masculina, apresentada em “Amor e Orgasmo”, sofreu a influência da heteronormatividade predominante de sua época. É importante considerar as críticas contemporâneas sobre sua abordagem, que frequentemente são vistas como reducionistas, moralmente tendenciosas e fundamentadas em estereótipos de gênero.
Reconhece-se que, no tempo de Reich e de seus colaboradores, as discussões sobre gênero e sexualidade eram profundamente diferentes das atuais, o que chama a atenção para a importância de revisões modernas e inclusivas.
Todavia, as ideias de Lowen (1988) são fundamentais para a compreensão da homossexualidade masculina nos dias atuais, uma vez que elas oferecem uma análise profunda das dimensões emocionais e corporais da sexualidade, desafiando tabus e mitos, promovendo uma visão integradora e humanizada das experiências afetivas e sexuais.
Espera-se que pesquisas futuras articulem as teorias da Psicologia reichiana com contribuições contemporâneas, de modo a oferecer uma perspectiva atualizada sobre a homossexualidade masculina.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: STRACHEY, J. (Ed.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. p. 123-245.
FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. In: STRACHEY, J. (Ed.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XI. Rio de Janeiro: Imago, 1996b. p. 67-137.
FREUD, S. O caso Schreber. In: STRACHEY, J. (Ed.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996c. p. 9-78.
FREUD, S. Psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. In: STRACHEY, J. (Ed.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996d. p. 147-172.
LOWEN, A. Bioenergética. 12ª ed. São Paulo: Summus, 2017.
LOWEN, A. Amor e orgasmo: guia revolucionário para a plena realização sexual. São Paulo: Summus, 1988.
LOWEN, A. O corpo em terapia: a abordagem bioenergética. 11ª ed. São Paulo: Summus, 1977.
RAKNES, O. Wilhelm Reich e a Orgonomia. São Paulo: Summus, 1988.
REICH, W. Análise do caráter. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
REICH, W. A revolução sexual. 5ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
REICH, W. O combate sexual da juventude. 2ª ed. Lisboa: Antídoto, 1978.
SPENCER, C. Homossexualidade: uma história. Rio de Janeiro: Record, 1996.
VIEIRA, L. As múltiplas faces da homossexualidade na obra freudiana. Revista Mal-estar e Subjetividade, Fortaleza, v. IX, n. 2, p. 487-525, jun/2009.
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(1) Marcos Roberto Batista – Licenciado em Ciências. Mestre em Geometria e Topologia (UFG). Doutor em Análise Matemática (UFG). Especialista em Psicanálise (IPOG). Especialista em Sexologia e Terapia Sexual. Cursando Especialização em Psicologia Corporal, pelo Centro Reichiano, Curitiba/PR. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Câmpus Goiânia – GO. marcos.batista@ifg.edu.br
(2) Sandra Mara Volpi – Psicóloga (CRP-08/5348) (PUC-PR), Analista Bioenergética (CBT) e Supervisora em Análise Bioenergética (IABSP). Especialista em Psicoterapia Infantil (UTP). Psicopedagoga (CEP-Curitiba). Mestre em Tecnologia (UTFPR). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Diretora do Centro Reichiano, Curitiba/PR. sandra@centroreichiano.com.br
BATISTA, M. R.; VOLPI, S. M. Corpos em conflito na Bioenergética: uma análise crítica da representação da homossexualidade masculina na obra “Amor e orgasmo”, de Alexander Lowen. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (orgs.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, v. 26, p. 11–16, 2025. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-26-ano-2025/. Acesso em: _____.