A Energia Orgone: Entre a Ciência e a Experiência Vital
A ENERGIA ORGONE: ENTRE A CIÊNCIA E A EXPERIÊNCIA VITAL
José Henrique Volpi (1)
RESUMO
A energia orgone, proposta por Wilhelm Reich, representa uma força vital presente em todos os seres vivos e no ambiente. Reich buscou relacionar corpo, emoção e vitalidade por meio de experimentos, como os acumuladores de orgone, e desenvolveu abordagens terapêuticas como a Análise do Caráter e a Vegetoterapia. Apesar das críticas da comunidade científica à mensurabilidade do orgone, suas ideias influenciaram profundamente a psicologia corporal moderna. Décadas depois, pesquisadores como James DeMeo replicaram seus experimentos, mostrando efeitos compatíveis com as observações originais. O legado de Reich permanece relevante, conciliando ciência, fenomenologia e experiências subjetivas de vitalidade e integração corpo-mente.
Palavras-chave: Análise do Caráter. Energia vital. Psicologia corporal. Vegetoterapia. Wilhelm Reich.
Publicado em: 24/10/2025
Páginas: 72 – 76
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A energia orgone, conceito desenvolvido por Wilhelm Reich nas primeiras décadas do século XX, é um dos temas mais fascinantes — e também mais controversos — da história da psicologia corporal. Reich, discípulo de Freud, buscava compreender profundamente a ligação entre corpo, emoção e vitalidade, propondo a existência de uma energia biológica universal: o orgone, ou “energia vital” (REICH, 1978).
O que Reich propôs com a energia orgone
Wilhelm Reich descreveu o orgone como uma energia vital universal, presente em todos os seres vivos e também no ambiente. Ele acreditava que essa energia podia ser acumulada, medida e observada em câmaras especiais — os chamados acumuladores de orgone — e que o fluxo ou bloqueio dessa energia estava intimamente ligado à saúde física, emocional e sexual do indivíduo (REICH, 1978).
Com essa proposta, Reich tentou traduzir uma experiência vital e subjetiva — a pulsação da vida, a respiração, o prazer orgástico — em linguagem científica e mensurável. Essa tentativa de unir corpo, energia e ciência marcou profundamente a psicologia corporal, influenciando autores posteriores como Alexander Lowen (1982), que ampliou o estudo da energia vital através da bioenergética.
Por que a ciência oficial o criticou
A crítica científica ao conceito de orgone não se dirige necessariamente à ideia de uma força vital, presente em diversas tradições — como o prana na Índia, o chi na China ou o mana em culturas polinésias —, mas à maneira como Reich afirmou que podia prová-la fisicamente.
Na ciência moderna, uma teoria é aceita se:
pode ser repetida por outras pessoas em condições controladas;
produz dados mensuráveis;
e permite previsões que possam ser testadas.
Os experimentos de Reich com o acumulador de orgone e com os efeitos físicos dessa energia nunca foram reproduzidos com sucesso por outros pesquisadores. Por isso, o conceito passou a ser classificado como não científico — ou seja, não verificável segundo os métodos atuais, o que é diferente de chamá-lo de “falso”.
A subjetividade da experiência vital
Apesar da crítica científica, Reich apontava para algo que permanece profundamente verdadeiro: existem aspectos da vida que não se medem, apenas se vivem.
O amor de uma mãe, o prazer orgástico, a sensação de conexão ou a vitalidade sentida em momentos de plenitude — todas essas experiências são reais na vivência, mesmo que não possam ser quantificadas.
A ciência, por natureza, trabalha com medições e observações objetivas, não com vivências internas. Assim, ela ainda não consegue “provar” fenômenos cuja essência é fenomenológica, isto é, subjetiva, sentida e não mensurável.
Para Reich e seus continuadores, o corpo humano é o território onde essa subjetividade se manifesta, sendo impossível separar completamente biologia, emoção e energia.
O contexto histórico e a retomada dos experimentos de Reich
É importante compreender que, na época em que Wilhelm Reich desenvolveu seus estudos sobre a energia orgone — entre as décadas de 1930 e 1950 —, as condições de pesquisa eram extremamente precárias se comparadas aos padrões científicos atuais.
A instrumentação disponível, os métodos de controle e a padronização experimental eram limitados. Ainda assim, Reich realizou observações empíricas com rigor e intenção científica notáveis para seu tempo, buscando demonstrar o vínculo entre energia vital, pulsação biológica e equilíbrio emocional (REICH, 1978).
A dificuldade de validação de seus experimentos não se deve apenas às limitações técnicas, mas também ao contexto político e científico no qual ele estava inserido. Após sua expulsão da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) em 1934, Reich passou a ser visto com desconfiança tanto pela comunidade psicanalítica quanto pela científica. Sua postura crítica às ideias de Sigmund Freud, especialmente ao colocar o corpo e a sexualidade no centro do processo terapêutico, fez com que suas pesquisas fossem progressivamente marginalizadas (LOWEN, 1982; DAMÁSIO, 2000).
Mesmo enfrentando resistência, Reich publicou de forma independente e continuou a desenvolver sua obra, articulando a Análise do Caráter e a Vegetoterapia, que se tornariam pilares da psicologia corporal moderna. Essas contribuições seguem amplamente reconhecidas e praticadas até hoje, independentemente das controvérsias em torno do conceito de energia orgone.
Décadas mais tarde, James DeMeo, pesquisador estadunidense, buscou replicar experimentalmente os achados de Reich, realizando medições com acumuladores de orgone e observando efeitos térmicos e luminosos semelhantes aos descritos por ele. Em obras como Experimental Confirmation of the Reich Orgone Accumulator Thermal Anomaly (DEME0, 2009), DeMeo relatou resultados que, segundo suas análises, confirmavam parcialmente as observações originais de Reich. Outros pesquisadores associados à Orgone Biophysical Research Laboratory também registraram efeitos compatíveis (DEME0, 2010).
Apesar dessas novas tentativas, o tema continua sendo alvo de críticas na comunidade científica, que questiona a reprodutibilidade e o enquadramento teórico dos experimentos. No entanto, essas divergências não anulam o valor histórico, clínico e humano da obra reichiana, especialmente no campo da Análise do Caráter e da Vegetoterapia, que seguem influenciando a psicologia corporal contemporânea (PORGES, 2021).
Em síntese, Reich foi um pesquisador à frente de seu tempo, que ousou investigar dimensões sutis da experiência humana com os recursos disponíveis. Seu legado permanece como uma ponte entre a ciência, a vivência e o mistério do que chamamos de energia vital.
Conciliando os dois mundos
Hoje, várias áreas do conhecimento buscam pontes entre o sentir e o medir, como a neurociência da emoção e da consciência, as ciências somáticas, a psicologia corporal moderna e as terapias somáticas contemporâneas.
Autores como António Damásio (2000) demonstram que as emoções são processos corporais e neurofisiológicos integrados, e Stephen Porges (2021) mostra, com a teoria polivagal, como o sistema nervoso autônomo está diretamente ligado à regulação emocional, ao contato e ao sentimento de segurança.
Essas abordagens não falam em “orgone”, mas reconhecem que o corpo é um sistema energético e emocional dinâmico, onde sensações, respiração e emoção estão profundamente entrelaçadas. Nesse sentido, o “orgone” de Reich pode ser visto como uma linguagem simbólica e intuitiva para descrever um campo de vitalidade que a ciência atual começa a explorar sob novas perspectivas.
Concluindo
Reich foi criticado porque tentou comprovar cientificamente algo que pertence ao domínio da vivência subjetiva. Isso, porém, não invalida a experiência energética ou vital — apenas mostra que a linguagem científica ainda não alcança totalmente esse tipo de fenômeno humano.
A psicologia corporal, ao herdar seu legado, não precisa provar o orgone como substância física, mas pode honrar o que ele quis revelar: a pulsação da vida, o fluxo emocional e a integração corpo-mente como expressões autênticas da vitalidade humana.
Algumas tentativas de desacreditar Reich surgem de desconhecimento profundo de seus trabalhos. Reich chamava esse comportamento de “peste emocional” — uma força que se manifesta quando indivíduos, acometidos por ignorância, medo ou preconceito, espalham inverdades, desinformação e ataques infundados, bloqueando o avanço do conhecimento e da experiência humana.
Hoje, é preciso ser firme: aqueles acometidos pela peste emocional são os doentes nesse processo, e suas ações devem ser rejeitadas e banidas. Não há espaço para desinformação nem para tentativas de deslegitimar o legado reichiano numa era em que ciência e fenomenologia podem dialogar, reconhecendo a vitalidade e a experiência humana de forma aberta, ética e rigorosa.
Referências
DAMÁSIO, António R. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
DEMEO, James. Experimental Confirmation of the Reich Orgone Accumulator Thermal Anomaly. Water Journal, v. 1, p. 1–24, 2009. Disponível em: https://waterjournal.org. Acesso em: 24 out. 2025.
DEMEO, James. The Orgone Accumulator Handbook: Construction Plans, Experimental Use and Protection Against Toxic Energy. 4. ed. Ashland, Oregon: Orgone Biophysical Research Lab, 2010.
LOWEN, Alexander. A linguagem do corpo: física e caráter na bioenergética. 12. ed. São Paulo: Summus, 1982.
PORGES, Stephen W. A teoria polivagal: fundamentos neurofisiológicos das emoções, do apego, da comunicação e da autorregulação. São Paulo: Ícone, 2021.
REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. São Paulo: Summus, 1978.
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(1) José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br
VOLPI, José Henrique. A energia orgone: entre a ciência e a experiência vital. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (orgs.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, v. 26, p. 72–76, 2025. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-26-ano-2025/. Acesso em: _____.