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Precisamos falar sobre Kevin: um diálogo fundamentado na análise reichiana

PRECISAMOS FALAR SOBRE KEVIN: UM DIÁLOGO FUNDAMENTADO NA ANÁLISE REICHIANA 

Emanoela Rodrigues (1)
José Henrique Volpi (2)

RESUMO

O diálogo da Análise Reichiana com o filme “Precisamos Falar sobre o Kevin”, buscou a partir de autores como Wilhelm Reich e Federico Navarro trazer um novo olhar sobre o fenômeno. Exploramos os conteúdos representados no filme como a relação mãe-filho, a psicodinâmica caracterológica através do percurso histórico de Kevin, a formação das couraças e suas manifestações, a peste emocional em sua forma mais destrutiva. Essa análise revela como uma formação afetiva negativa afeta diretamente no corpo, criando mecanismos de defesa que pode aparecer por traços psicopáticos destrutivos, mostrando assim a leitura e o trabalho corporal como ferramenta rica.

Palavras-chave: Desenvolvimento. Maternidade. Peste Emocional. Desenvolvimento. Maternidade. Psicologia Corporal.

Publicado em: 04/08/2025
Páginas: 57 – 60
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A narrativa abordada no filme “Precisamos falar sobre Kevin” (RAMSAY,2011) expõe diversos conflitos intensos, como a romantização e compulsoriedade do papel materno, a relação mãe e filho, investigando a gênese da violência e o processo e resultados que a rejeição materna ocasiona no desenvolvimento psicossexual desta criança.  A Análise Reichiana detém uma base teórica com conceitos, que ao serem lançados como luz em tais fenômenos se mostram um diálogo rico e produtivo na compreensão de aspectos abordados na temática do filme, especialmente os autores Wilhelm Reich e Federico Navarro. Este ensaio científico se propõe a analisar os aspectos caracterológicos dos personagens, com foco na psicodinâmica dos traços de caráter ao longo da vida, desde as causas como as formas como se expressa ou sua forma mais agravada.  

Reich (1979) traz a sexualidade como fator importante para saúde psíquica, envolvendo a capacidade de entrega-se ao prazer e alegria da vida, desta forma tornando possível a livre circulação da energia orgone, bem como a autorregulação e a descarga orgástica, através da potência orgástica (REICH,1979). Portanto para Reich (1988) para que o haja um desenvolvimento infantil saudável, é fundamental que ocorra a capacidade desses pais realizar uma livre troca energética afetiva, através da capacidade de entrega afetiva dos pais para com filhos (REICH,1979).

Na narrativa do filme, Eva, a futura mãe, demonstra aversão e resistência à gravidez, com expressões de desconforto ao olhar para o próprio corpo ou para o corpo de outras mulheres, expondo sentimentos de incerteza, repulsa e culpa. Este movimento prejudica o estabelecimento e formação de um vínculo e, desde o início da vida intrauterina da criança, gera estresse, acarretando uma baixa energia, favorecendo e moldando mecanismos de defesa de forma extremamente precoce (Navarro, 1996).

A cena que retrata o nascimento mostra a resistência de Eva ao processo de dar à luz, expondo seu medo diante daquele momento, onde a enfermeira chega a pedir que ela pare de resistir ao parto. A sequência segue com o pai segurando Kevin, ainda choroso, enquanto Eva permanece sentada na cama, sem sequer olhar para a criança. Ao analisarmos o histórico das primeiras fases do desenvolvimento de Kevin, percebemos que ele esteve imerso em um ambiente de estresse e rejeição, o que contribuiu para o desenvolvimento de defesas caracterológicas, manifestadas em comportamentos marcados por rigidez afetiva, apelos à manipulação e atitudes provocativas.

Assim, podemos observar em Kevin uma estrutura psíquica caracterizada por distanciamento, frieza, negação do afeto, sadismo e manipulação. Tais traços indicam tanto um bloqueio energético característico do núcleo psicótico – evidenciado, por exemplo, em seu olhar que evita o contato com o outro – quanto aspectos do caráter psicopático, de acordo com as tipologias de caráter estruturadas por Reich (1998) e Navarro (1996). Goldman (2022) destaca traços psicopáticos evidentes em Kevin, como o bloqueio afetivo, demonstrado em vários momentos ao longo do filme, e a manipulação, que pode ser observada quando ele aponta a própria cicatriz para provocar culpa em sua mãe. Além disso, sua conduta expressa uma dificuldade em lidar com a frustração, recorrendo à vingança como mecanismo de defesa, impulsionado por tendências sádicas e narcísicas.

O encouraçamento de Kevin perpassa por perturbações em todas as fases do desenvolvimento psicoafetivo: sustentação, incorporação, identificação e formação do caráter (VOLPI; VOLPI, 2006). Assim, Kevin desafia a figura materna, recorrentemente testa os limites e reafirma verbalmente a rejeição que sente por parte de sua mãe.

A relação dos pais de Kevin é o que Reich (1988) define como um “casamento compulsório”, ancorado não em um vínculo sexual e afetivo, mas a serviço de questões morais, sociais, econômicas e políticas. Isso resulta em uma “família compulsória”, na qual se perpetua apesar de uma miséria emocional e sexual intolerável, tanto para o casal quanto para o coletivo familiar (REICH, 1988).

Essa configuração pode ser observada no comportamento de esquiva do pai diante dos conflitos familiares e dos desejos da esposa, bem como na sua omissão em relação às questões referentes aos comportamentos preocupantes do filho. Já Eva, desde o começo, demonstra resistência e desconforto em relação à gestação e à maternidade, apresentando frieza e distanciamento, com sinais de encouraçamento nas regiões dos olhos e da boca — como uma dificuldade de olhar e de se vincular a Kevin — e um tensionamento constante na boca, indicando traços de raiva e descontentamento (NAVARRO, 1996).

A violência extrema cometida por Kevin, pode ser analisada como uma expressão máxima da peste emocional, que, segundo Reich (1998), é uma biopatia crônica do organismo, de um sujeito que apresenta ações sádicas e perversas, que exibe como motivação de suas ações motivos que não condizem, fazendo exigências de vida não apenas a si mesmo, mas aos que convivem com ele, alimentando-se da frustração genital, usando da destruição do outro como forma de satisfação (REICH, 1998). Olhando para Kevin, vemos uma construção de tentativas frustradas de expressão emocional: ao choro ele foi rejeitado, o comportamento rebelde foi tratado com frieza, e o contato afetivo foi quase inexistente, expondo assim uma construção adoecida que culminou em uma tragédia, que é retratada no filme como pequenas peças separadas em momentos diferentes, que, ao serem agrupadas, expõem o roteiro destrutivo realizado por Kevin, que usa o arco e flecha para matar seu pai e sua irmã, e posteriormente realiza um ataque em sua escola.

Reich (1979) traz a questão de que, quando há uma repressão da satisfação, isso acarreta um movimento de tentar satisfazer-se a qualquer preço. A necessidade de amor é suprimida pela agressão, transformando assim a energia vital em energia destrutiva; assim, o pulsar para a vida se torna uma pulsão de morte. O massacre, nesse sentido, representa essa crise em que o corpo rigidamente bloqueado transforma a vida em morte.

O filme expõe as consequências lamentáveis de problemáticas sistêmicas familiares e sociais, energeticamente negativas e adoecidas. Mostra a moral sexual repressora, que traz tantos prejuízos e sofrimentos, utilizando-se de normas e regras sociais que estão tão enraizadas socialmente que passam despercebidas, a priori, como a pressão sobre a mulher no que diz respeito à gravidez e à maternidade.

A partir desta análise, constatamos que Kevin não é um vilão, mas sim fruto de um processo adoecido, cercado por traumas, repressões e perturbações, sem com isso retirar o peso de suas ações, mas ampliando a compreensão da realidade que vivemos — e que, por diversas vezes, encontramos na prática profissional.

REFERÊNCIAS

GOLDMAN, Julio. Fundamentos da Clínica Reichiana: Da Psicanálise à Orgonomia. Volume 2. Editora Appris, 2022.

NAVARRO, Federico. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus,1996.

RAMSAY Lynne. Precisamos falar sobre o Kevin..EUA : Jennifer Fox e outros, 2011

REICH, W. A Função do Orgasmo. São Paulo: Brasiliense,1979.199p.

REICH, W.   A Revolução Sexual. 8.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1988.

REICH, W. Análise do Caráter. 3a  edição. São Paulo: Martins Fontes,1998.

VOLPI, J. H; VOLPI, S. M. Crescer é uma aventura! Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2006.

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Emanoela Rodrigues – Bacharel em Psicologia (CESCAGE). Psicóloga (CRP 08/38656). Cursando Especialização em Psicologia Corporal, com habilitação para atuar como Psicoterapeuta e Analista Corporal de abordagem reichiana e bioenergética, pelo Centro Reichiano, Curitiba/PR. psicoemanoelarodrigues@gmail.com

José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br

RODRIGUES, Emanoela; VOLPI, José Henrique. Precisamos falar sobre Kevin: um diálogo fundamentado na análise reichiana. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (orgs.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, v. 26, p. 57–60, 2025. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-26-ano-2025/. Acesso em: _____.

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