REICH NÃO É REIKI, MAS AMBOS FALAM DE ENERGIA E SE COMPLEMENTAM
José Henrique Volpi (1)
RESUMO
A confusão entre os termos Reich e Reiki é frequente, tanto entre estudantes quanto entre profissionais de terapias corporais. Embora ambas as abordagens tratem da energia vital e possam se complementar, suas origens, fundamentos e objetivos são profundamente distintos. Este artigo propõe uma reflexão sobre as diferenças entre a Psicologia Corporal de Wilhelm Reich e a terapia energética japonesa Reiki, apresentando seus contextos históricos, epistemológicos e clínicos. Busca-se, assim, esclarecer equívocos comuns e valorizar o caráter científico e psicodinâmico da abordagem reichiana, em contraposição à natureza espiritual e simbólica do Reiki.
Palavras-chave: Psicologia Corporal; Reich; Reiki; Energia Vital; Terapias Corporais.
Publicado em: 01/11/2025
Páginas: 97 – 100
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1. Introdução
No campo das terapias corporais contemporâneas, observa-se uma crescente integração entre práticas psicológicas, somáticas e energéticas. Contudo, essa expansão também gerou confusões conceituais. Uma das mais comuns é a associação indevida entre Reich e Reiki, muitas vezes grafados erroneamente como “reikiano” em referência a “reichiano”.
Essa confusão não é apenas linguística: reflete a necessidade de compreender mais profundamente as bases científicas e filosóficas que sustentam a Psicologia Corporal. O pensamento de Wilhelm Reich (1897–1957) revolucionou a compreensão da energia vital, da emoção e da estrutura psíquica do corpo, mas também enfrentou forte resistência institucional.
O presente artigo oferece uma análise comparativa entre essas duas abordagens — Reich e Reiki — destacando suas diferenças essenciais e propondo um olhar de respeito epistemológico a ambas.
2. Wilhelm Reich e a energia orgônica
Wilhelm Reich foi médico, psicanalista e pesquisador austro-húngaro, discípulo direto de Freud. Desenvolveu a Psicologia Corporal iniciando seus trabalhos pelas técnicas da Análise do Caráter, da vegetoterapia e da orgonoterapia, estabelecendo uma ponte inédita entre psicanálise e fisiologia (REICH, 1942).
Sua noção de energia orgônica não surgiu de especulação metafísica, mas de observação clínica e experimental. Reich acreditava que toda forma de vida expressa um campo energético pulsante — visível nas emoções, na respiração e nas reações biológicas. Para ele, a energia não era algo místico, mas um fenômeno bioenergético mensurável na própria vitalidade do organismo (REICH, 1942).
Importante ressaltar que Reich tornou públicos seus experimentos e convidou colegas e instituições a replicá-los. Entretanto, devido à crescente tensão política e teórica dentro da psicanálise — especialmente após questionar dogmas freudianos e criticar o conservadorismo da comunidade psicanalítica —, Reich passou a ser sistematicamente marginalizado.
Essa marginalização não se deveu à falta de rigor de seus experimentos, mas à resistência ideológica e científica da época. O contexto era marcado por censura, perseguição política e resistência a qualquer pensamento que unisse sexualidade, energia e liberdade emocional. Consequentemente, poucos pesquisadores tentaram reproduzir seus experimentos com seriedade, e o debate sobre os resultados nunca chegou a uma conclusão consensual (SHARAF, 1983; VOLPI, 2019). Ainda assim, sua obra permanece fundamental para compreender a relação entre corpo, emoção e autorregulação da energia vital.
3. Reiki e a energia vital universal
O Reiki, criado no Japão por Mikao Usui no início do século XX, parte de outro paradigma. Baseia-se na crença de que uma energia universal (Rei) flui através de todos os seres vivos (Ki) e pode ser canalizada pelas mãos para promover equilíbrio e cura (USUI; PETTER, 2000).
O Reiki não é uma prática psicológica, mas energética e espiritual, com fundamentos simbólicos no budismo e no xintoísmo. A energia é entendida como uma força cósmica e transcendental, que não depende de processos biológicos, mas de sintonia e intenção.
Enquanto Reich investigava a energia orgônica como princípio biológico e psíquico mensurável, o Reiki atua no campo da energia cósmica e espiritual, acessada pela meditação e pela imposição de mãos. São, portanto, duas concepções de energia que compartilham o termo “vital”, mas pertencem a sistemas epistemológicos distintos.
Embora Wilhelm Reich e Mikao Usui tenham desenvolvido seus trabalhos no início do século XX, suas trajetórias nasceram em contextos culturais e epistemológicos profundamente distintos. Reich desenvolveu suas ideias no ambiente científico e político da Europa entre guerras, enquanto Usui formulou o Reiki inserido na tradição espiritual oriental, influenciada pelo budismo e xintoísmo (USUI; PETTER, 2000).
A base teórica dessas abordagens segue caminhos divergentes. A Psicologia Corporal Reichiana tem origem na psicanálise, na biologia e na fisiologia, sendo posteriormente ampliada com observações clínicas sobre o fluxo energético no corpo humano (REICH, 1942). Já o Reiki apoia-se em princípios filosófico-espirituais, compreendendo o ser humano como expressão de uma energia cósmica universal, denominada Ki (USUI; PETTER, 2000).
A natureza da energia também reflete essa diferença de origem. Para Reich, a energia chamada de orgone é biológica, observável e pulsante, manifestando-se na vitalidade, na respiração e na autorregulação natural do organismo (REICH, 1942). No Reiki, a energia vital (Rei-Ki) é entendida como uma força universal transcendental, que pode ser canalizada para promover equilíbrio e harmonia (TANIMORI, 2015).
O método terapêutico é outro ponto de distinção. Na abordagem reichiana, a intervenção ocorre a partir do próprio corpo do paciente, utilizando recursos como respiração profunda, liberação muscular e expressão emocional espontânea, visando restaurar o fluxo energético bloqueado e promover a autorregulação psíquica e somática (VOLPI, 2020). No Reiki, a técnica é centrada na imposição de mãos, no uso de símbolos energéticos e na meditação silenciosa, com o terapeuta atuando como canal de energia direcionada ao receptor (USUI; PETTER, 2000).
Os objetivos terapêuticos também se distinguem: Reich buscava liberação emocional, reconexão com a vitalidade e autonomia do indivíduo (VOLPI, 2020), enquanto o Reiki visa equilibrar os centros energéticos e promover bem-estar integral, numa dimensão mais espiritual que psicodinâmica (TANIMORI, 2015).
Por fim, o instrumento de ação difere: na Psicologia Corporal Reichiana, o próprio corpo e a consciência do paciente são os mediadores centrais do processo — o sujeito é ativo na experiência. No Reiki, a energia é canalizada pelo terapeuta, que atua como mediador passivo (USUI; PETTER, 2000).
Apesar das diferenças, há convergência simbólica: ambas valorizam a energia vital e defendem a integração entre corpo, mente e emoção. Confundir Reich com Reiki é reduzir a complexidade e o valor singular de duas tradições que, embora tratem da energia, operam em linguagens epistemológicas distintas.
4. Considerações finais
Reich não é Reiki — embora ambos tratem de energia, referem-se a dimensões distintas, com origens, métodos e propósitos próprios.
A Psicologia Reichiana propõe um caminho de integração corpo-mente baseado em observação científica e experiência emocional direta. O Reiki oferece uma via de conexão espiritual e energética, orientada por símbolos e intenções sutis.
Reich foi marginalizado não por falta de mérito, mas por sua coragem intelectual em desafiar a psicanálise ortodoxa e a rigidez científica de sua época. Sua obra continua inspirando profissionais que buscam compreender o ser humano como unidade viva de corpo, emoção e energia.
REFERÊNCIAS
REICH, Wilhelm. The Discovery of the Orgone: The Function of the Orgasm. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1942.
SHARAF, Myron. Fury on Earth: A Biography of Wilhelm Reich. New York: St. Martin’s Press, 1983.
USUI, Mikao; PETTER, Frank Arjava. O Manual Original de Reiki do Dr. Mikao Usui. São Paulo: Pensamento, 2000.
TANIMORI, Keiko. Reiki: Caminho da Cura Natural. São Paulo: Pensamento, 2015.
VOLPI, José Henrique. Ecopsicologia Reichiana – Um olhar para as crianças do futuro. Curitiba: Centro Reichiano, 2020.
YOUNG, Courtenay. The Life and Work of Wilhelm Reich. Edinburgh: Body Psychotherapy Publications, 2012.
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José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br
VOLPI, José Henrique. Reich não é Reiki, mas ambos falam de energia e se complementam. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (orgs.). Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, v. 26, p. 97–100, 2025. ISSN 3086-1438. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-26-ano-2025/. Acesso em: _____.