Orgonomia: como a pesquisa com a energia orgone
ORGONOMIA: COMO A PESQUISA COM A ENERGIA ORGONE ALTERA O FAZER CLÍNICO PSICOLÓGICO?
Luiz Guilherme Sant’Angelo (1)
José Henrique Volpi (2)
RESUMO
O presente artigo investiga os possíveis impactos que a aplicação da Orgonomia tem no fazer clínico psicológico, a partir de um breve percurso histórico da extensa pesquisa que Wilhelm Reich desenvolveu. Iniciamos com a “Economia sexual” demonstrando que ela foi a base, o chão da Orgonomia. Passamos pela “Análise do Caráter” apontando que ali está o germe do que viria a ser a Orgonomia, anos depois. Elencamos a “Vegetoterapia Caracteroanalítica” como o desabrochar da ciência orgonômica. Até que nos encontramos com a Orgonomia e finalizamos com algumas considerações que uma clínica psicológica pode vir a sofrer se estiver fundamentada na Orgonomia.
Palavras-chave: Energia. Psicologia. Reich. Orgonomia.
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O que era psicologia se tornou biofísica, e parte de uma genuína ciência natural experimental. O seu cerne permanece, como sempre, o enigma do amor, a que devemos o ser. (REICH, p.194, 1975)
Como percurso da formação no Centro Reichiano e Volpi, a escrita se coloca como um exercício constante de aprimoramento e afinação com a teoria e prática do saber psicorporal. Ao aceitar esse exercício nos dedicamos nesse texto a trazer alguns apontamentos e reflexões sobre a Orgonomia e a clínica psicológica.
Não é tarefa fácil pesquisar e escrever sobre a Orgonomia, principalmente no terreno da psicologia brasileira, em que o saber psicanalítico freudo-lacaniano tem suas raízes bem firmadas. Mas isso também é motivo de nos propormos a essa tarefa da escrita, para que, quem sabe, mesmo que em algumas palavras, possamos acrescentar algo sobre a incompreendida pesquisa que Reich desenvolveu acerca e a partir da energia vital – orgone.
É bem aceito entre os estudiosos que a obra de Reich tem três principais momentos: a Análise do Caráter, a Vegetoterapia Caracteroanalítica e a Orgonomia. Cada momento se complementa, não se anulam; é um caminho de sofisticação e ampliação de compreensão dos fenômenos do organismo vivo (BOADELLA, 1985; ALBERTINI, 2016; GOLDMAN, 2020).
Citaremos brevemente, mas não nos dedicaremos nesse artigo aos dois primeiros momentos da pesquisa reichiana – Análise do Caráter e Vegetoterapia Caracteroanalítica – e, salientamos que a Orgonomia só existiu através das pesquisas anteriores, incluindo a Economia Sexual e a Dimensão Sociológica (GOLDMAN, 2020), sendo que todos esses momentos do trabalho desenvolvido por Reich e seus colaboradores, têm sua importância.
Afirmamos isso, pois, na clínica psicológica fundamentada na Orgonomia, é necessário a compreensão e o manejo de conceitos psicanalíticos como a transferência, resistência, mecanismos de defesa, desenvolvimento psicossexual e tantos outros, bem como toda produção que Reich, os pós e neorreichianos nos deixaram quanto o trabalho com o corpo, para que de fato se estabeleça um processo psicoterapêutico.
Pois bem, escrever sobre uma clínica orgonômica é dizer também sobre o aparelho psíquico, as estruturas clínicas, a função da linguagem e as interseccionalidades que compõe cada pessoa atendida – raça, gênero, classe social. Não entendemos que o fazer clínico reichiano seja possível apenas com a noção da Orgone em si mesma, por isso, mais uma vez salientamos que tal clínica só é possível no entrecruzamento da psicanálise, da fisiologia, da política, da biologia, da anatomia, da sociologia e de tudo mais que compuser a experiência humana.
Iniciaremos com um breve percurso histórico do desenvolvimento da Orgonomia, passando pelas principais pesquisas de Reich e findaremos com algumas reflexões sobre os possíveis impactos que essa ciência tem no fazer clínico psicológico.
ECONOMIA SEXUAL – O CHÃO DA ORGONOMIA
As pesquisas de Reich antecedem sua entrada na psicanálise. Como médico já demonstrava na graduação o apreço pelo pensamento investigativo e curioso, que nos parece ser essencial na prática científica. Os seminários sobre sexologia e a preocupação com a saúde do trabalhador foram o pontapé para sua chegada na psicanálise (ALBERTINI, 2016; BOADELLA, 1985).
Ao ingressar na seara psicanalítica, Reich logo questiona – mas não temos uma pesquisa sobre a técnica psicanalítica? – e isso o leva a assumir o seminário de técnica de 1924 a 1930. Focado na economia sexual, ou seja, no aspecto quantitativo da libido, ele considera a primeira tópica freudiana (Inconsciente – Pré-Consciente – Consciente) como o pressuposto básico de desenvolvimento da psicanálise (FRIGOLA; PONTHIEU,1981).
Era um período marcante na formulação teórica de Freud, e justamente nesse tempo, Reich vai se guiando ainda mais por uma postura crítica aos postulados da metafísica psicanalítica e passa a desenvolver sua própria pesquisa clínica, a fim de investigar a eficácia da terapêutica freudiana e busca responder uma pergunta: o que é a vida? (ALBERTINI, 2016) e ele não poderia responder essa pergunta ficando preso à doutrina psicanalítica. Foi preciso lançar mão de outros saberes do conhecimento humano
ANÁLISE DO CARÁTER – O GERME DA ORGONOMIA
A proposta de Reich era conduzir a psicanálise a um escopo científico capaz de lhe conferir rigor, sistematização e aplicabilidade em diferentes casos. Seus esforços o levaram a produzir uma das obras mais significativas dentro da psicanálise e na psicologia, seu texto “A Análise do Caráter”.
Muito mais que um manual, Reich traz nessa obra, observações importantes acerca do manejo clínico, da transferência negativa, da escolha do conteúdo a ser analisado, a importância de se trabalhar primeiro as defesas caracteriais do paciente para só depois tratar os conteúdos infantis. Essa e tantas outras informações, construídas a partir de pesquisa clínica, como estudos de caso, estão contidas no “Análise do Caráter”.
Nesse momento, Reich já dá os primeiros indícios de estar se enveredando para a fisiologia e biologia. Ao tratar do caráter masoquista nesse texto, descreve aspectos alguns orgânicos nesses caráteres:
Em termos da fisiologia da angústia, a contração dos vasos periféricos aumenta a angústia (palidez, no caso de susto; sensação de frio, no estado de angústia; arrepios provocados pelo medo etc.). Por outro lado, a sensação de pele quente, causada por um fluxo mais forte de sangue através dos vasos periféricos, e um atributo específico de prazer. Fisiologicamente, a tensão interna é determinada pela restrição do fluxo sanguíneo. Por outro lado, o forte fluxo sangüíneo pela periferia do corpo alivia a tensão interna e, em consequência, a base fisiológica da angústia. Do ponto de vista fisiológico, o efeito de diminuição do medo, atribuível ao orgasmo, baseia-se essencialmente nesse processo, que representa uma modificação notável na circulação do sangue, com a dilatação dos vasos periféricos e a descarga de tensão no centro (vasos esplâncnicos) (REICH, p. 235, 1998).
O corpo e seu funcionamento vêm assumindo um lugar importante na própria técnica da análise do caráter. Aqui temos o germe para o que virá momentos depois na pesquisa de Reich que é o desenvolvimento da Vegetoterapia Caracteroanalítica.
VEGETOTERAPIA CARACTEROANALÍTICA – O DESABROCHAR DA ORGONOMIA
Como dito anteriormente, com a economia sexual em pleno desenvolvimento no seio da psicanálise, Reich percebe que os processos psíquicos descritos por Freud acontecem inseparavelmente do corpo biológico. Os casos sem sucesso, eram encaminhados para Reich e isso lhe deu uma amostragem do quanto a pesquisa com a libido, energia proposta por Freud, precisava avançar (BOADELLA, 1985).
As reações musculares de tensão e relaxamento, expressões faciais, choro, gritos, espasmos passaram a ser fonte de investigação de Reich. O material psíquico passa a ser analisado também na forma como aparecia na sessão e não apenas em seu conteúdo (REICH, 1975).
O sistema nervoso passa de coadjuvante para protagonista. Reich vai assumindo cada vez mais uma distância da segunda tópica freudiana (Id – Ego – Superego) e foca seus esforços a prosseguir com o que Freud havia começado, mas, que este último, de alguma forma, deixou pelo caminho em detrimento de uma psicanálise linguística, simbólica e menos orgânica.
Com a Vegetoterapia Caracteroanalítica, as manifestações somáticas parecem dar outro tom à terapêutica clínica e faz com que Reich mergulhe profundamente buscando novas compreensões.
Quando se descobriu o reflexo do orgasmo, em 1935, a ênfase do tratamento transferiu-se do caráter para o corpo. O termo “Vegetoterapia” foi cunhado levando-se em consideração essa mudança na ênfase, pois, a partir de então, minha técnica analítica passou a atuar sobre a neurose de caráter no campo fisiológico (REICH, p. 329-330, 1998).
Um paradigma estava sendo superado e outro se iniciava no cerne do desenvolvimento de uma clínica psicológica iniciada por Freud. Não competia ao analista somente interpretar, mas, analisar, investigar e observar o modus operandi das resistências, dos comportamentos, da forma como o paciente se colocava no setting analítico.
O sistema nervoso vegetativo se torna alvo de investigação do analista, que a partir daí passa também a atuar diretamente no corpo do paciente para efetivar as intervenções e é justamente nesse momento, enquanto toca o paciente, que Reich observa um fluxo que segue a direção céfalo-caudal (da cabeça, para os pés) e um influxo, ou seja, uma estase que interrompe esse fluxo. A esse fluxo, Reich chamou de correntes vegetativas; à estase, de couraça muscular.
“Na vida vegetativa há um processo, através do qual o enchimento mecânico, ou tensão, conduz a um desenvolvimento da carga elétrica; esta é seguida pela descarga elétrica, que, em contrapartida, culmina em relaxamento mecânico” (REICH, p. 14, 2025), essa é uma das teses reichianas, que se refere aos quatro tempos do orgasmo.
Compreender esse funcionamento de tensão > aumento de carga > descarga > relaxamento, levou Reich a propor uma nova terapêutica, que não se opunha necessariamente à psicanálise, mas a aprofundava até o cerne biológico da experiência humana – o próprio corpo.
ORGONOMIA – UMA CIÊNCIA DA ENERGIA
Os caminhos que Reich percorreu para chegar no estudo da energia vital foram amplos e diversos como vimos. Ele não se deteve apenas à psicanálise e à medicina; Reich se encaminhou para campos do saber como a biologia, física e química para consolidar as pesquisas com a energia vital. Sempre com um raciocínio e execução sistematizados, Reich levou a primeira tópica freudiana às últimas consequências, quando aperfeiçoa e cria métodos laboratoriais para desenvolver seus experimentos. Podemos dizer que Reich levou a psicanálise para o laboratório, criando uma forma de compreender os fenômenos psicofísicos, através da Orgonomia.
Vários experimentos foram desenvolvidos, mas, o que arrasta Reich para o campo da biologia é a descoberta dos bíons, que segundo o próprio autor, são
Vesículas microscópicas carregadas de energia orgonal; desenvolvem-se a partir da matéria inorgânica por meio do aquecimento e da dilatação. Propagam-se como bactérias. Desenvolvem-se também espontaneamente na terra ou, como no câncer, a partir de matéria orgânica em degeneração. O meu livro Die Bione (1938) mostra a importância da fórmula de tensão-carga para a investigação experimental da organização natural da substância viva a partir da matéria não-viva (REICH, p. 192-193, 1975).
Ao decompor elementos como grama, areia, sangue e tecidos cancerosos de ratos e humanos, Reich constata que aquilo que foi dissolvido em um preparo de solução aquosa, depois de um tempo, vai se organizando em microscópicas esferas, que emitiam uma luz azulada, principalmente os grãos de areia de praia (VOLPI, 2004). Era a forma mais rudimentar da vida, que surgia ali, frente às lentes e lâminas de seu laboratório. A pergunta – o que é a vida, segue norteando as pesquisas dele.
Ao descobrir as vesículas energéticas (bíons), Reich começa a colocar as soluções aquosas com bíons, dentro de uma gaiola de Faraday,
, que faz uma blindagem eletrostática de ondas magnéticas. As constatações foram de que os bíons eram vesículas de uma energia específica, que não a elétrica ou estática, mas uma energia que dá origem à vida, a Orgone.
[…] certos bíons exibiam um forte fenômeno da radiação, e que esses bíons poderiam matar bactérias e células cancerosas. Esta radiação confirmou a existência de uma energia que não obedecia a nenhuma lei conhecida de eletricidade ou magnetismo. Reich chamou essa energia de “orgone”, porque sua descoberta evoluiu a partir de sua investigação da função do orgasmo, e porque essa energia poderia carregar materiais orgânicos (MUSEUM, 2025).
Este experimento com bíons, amplia e aprofunda as descobertas que Reich vinha fazendo. O percurso que parte da economia sexual e chega no caráter, convoca o corpo para o setting analítico. Assim, com o corpo presente, suas manifestações e truncamentos, Reich encontrou a energia vital, essa substância primordial que gera e atua nos processos físicos, emocionais, mentais e atmosféricos.
Como já dissemos, foram anos de pesquisa, de clínica, de ensaios em laboratórios, até que Reich formulasse uma ciência, que traz por primazia uma unidade funcional, em que cisões não existem em si, mas nascem como sintoma neurótico, que fragmenta o próprio conhecimento humano. Além dos experimentos com os bíons, podemos elencar aqui três outras pesquisas importantes que Reich e seus colaboradores desenvolveram nesse momento final de sua obra: o acumulador de orgone, o experimento ORANUR e o cloudbuster.
O acumulador de orgone é desenvolvido após os experimentos com a gaiola de Faraday, visto que os bions, estando em soluções aquosas dentro das gaiolas, emitiam um tipo de radiação e Reich se propôs a investigar se tal radiação se propagaria. Depois de alguns testes com elementos orgânicos como algodão e madeira, constatou que estes absorvem a energia orgone e materiais não orgânicos, como metal, a repelem.
A partir dessas constatações, Reich construiu uma caixa, alternando camadas de algodão, madeira e metal. Esses “acumuladores de energia orgone” também revelaram um fenômeno inesperado: o aparecimento de radiação orgone dentro do recinto mesmo sem a presença de culturas bion (MUSEUM, 2025).
Em busca de compreender a radiação orgonótica, Reich cria um dos experimentos mais desafiadores, o ORANUR (Orgontic Anti-Nuclear Radiation) ou Radiação Orgonótica Anti-nuclear. A ideia era que, através da manipulação da energia orgone, se pudesse diminuir ou anular os efeitos da radiação nuclear. Para isso, Reich obteve “dois miligramas de rádio” (BOADELLA, p. 254, 1985), que são isótopos, ou seja, átomos com excesso de energia nuclear e os colocou dentro de um acumulador de orgone. Por mais que houvesse rigoroso cuidado no manuseio do material radioativo, o inesperado aconteceu: a energia orgone na interação com a radiação nuclear potencializou o efeito radioativo, contaminando tudo e a todos (VOLPI, 2004).
Como relatam os autores Boadella (1985), Frigola e Ponthieu (1981), muitos ratos dos experimentos morreram; os assistentes tiveram crises de vômitos, desequilíbrio, manchas pelo corpo, conjuntivite e perda de apetite; tiveram de evacuar as terras onde o laboratório foi construído, chamado de Orgonon, localizado em Rangeley, Maine. Inclusive a filha de Reich, Eva Reich, que colocou sua cabeça em um dos acumuladores que estavam na sala, mas que não fora utilizado no experimento. Reich veio a desenvolver um problema cardíaco meses depois. Posteriormente, ele nomeou essa energia orgônica radioativa como DOR (Deadly Orgone), que significa orgônio letal (VOLPI, 2004), pois a energia orgone reagiu ao material radioativo mudando sua natureza, até então benigna, para uma forma perigosa, que poderia gerar alterações e até mesmo doenças no sistema nervoso.
Há relatos de que a atmosfera em Orgonon ficou densa, escura e opressiva. Ao perceber os efeitos da DOR em sua propriedade (VOLPI, 2004), Reich começa a desenvolver um dispositivo para direcionar energia orgone (OR) no céu de Orgonon para tentar “limpá-lo”. Foi aí que ele desenvolveu o cloudbuster, que
era um instrumento experimental que poderia afetar os padrões climáticos alterando concentrações de energia orgone na atmosfera. Ele compreendeu um conjunto de tubos de metal oco e cabos inseridos na água, criando um sistema de energia mais forte do que o da atmosfera circundante. A água, que atrai fortemente e absorve orgone, atrai o orgone atmosférico através dos tubos. Este movimento de orgone de um sistema de energia mais baixo para um sistema de energia mais alto foi usado pelo Reich para criar nuvens e dissipá-las (MUSEUM, 2025).
As descobertas não paravam de acontecer e Reich passa desenvolver um outro direcionamento de pesquisa, a qual chamou de CORE (Cosmic Orgone Engineering) ou Engenharia Cósmica Orgônica. Seu interesse pela orgone cósmica, ou seja, aquela fora do corpo humano, só crescia. Como se vê no trecho a seguir, Reich adentrou os terrenos da física para elaborar suas pesquisas:
A vibração do céu, que alguns físicos atribuem ao magnetismo terrestre, e o cintilar das estrelas em noites claras e secas, são expressões diretas do movimento dos orgônios atmosféricos. As “tempestades elétricas” da atmosfera que perturbam os aparelhos elétricos quando há intensificação da atividade das manchas solares são, como se pode demonstrar experimentalmente, um efeito da energia orgonal atmosférica (REICH, p. 193, 1975).
O que podemos perceber é a coragem de um pesquisar em não se limitar ao que era conhecido. Reich ousou, investiu tempo e dinheiro em suas pesquisas e deixou um legado importantíssimo para a humanidade.
A CLÍNICA PSICOLÓGICA E A ORGONOMIA
A clínica psicológica não é um campo uniforme na psicologia; não há apenas uma forma de se fazer clínica, nem uma abordagem apenas. Há uma diversidade e pluralidade de técnicas, teorias, manejos e autores com os quais se compõe o trabalho clínico.
O que vemos no Brasil é a predominância de doutrinas teóricas psicanalíticas e da teoria cognitivo comportamental, o que faz com que outras abordagens fiquem quase que a margem ou sem um lugar digno. Vemos isso com o Psicodrama, Gestalt, Existencialismo, teoria Sistêmica e as abordagens da linhagem reichiana, reconhecidas no Brasil como Psicologia Corporal (VOLPI; VOLPI, 2012).
Ainda que falte certo espaço nas universidades e reconhecimento social da Psicologia Corporal, é inegável a relevância que essa abordagem tem na construção de uma clínica psicológica. Elencaremos alguns pontos para demonstrar tal relevância.
O primeiro ponto se refere ao pensamento funcional, ou seja, a própria lógica do pensamento reichiano, que parte da tese de que somos um organismo, orgânico, uno, organizado, complexo, imerso em um sistema com outros organismos complexos em interação, se faz relevante. É a partir da compreensão da unidade, suas funções e seus funcionamentos, que podemos explicar os fenômenos psicológicos – não só eles como vimos na fase final das pesquisas de Reich – e de tudo o que é vivo. O pensamento funcional retira a clínica psicológica da dicotomia, da dualidade, das fragmentações e possibilita uma complexidade que faz jus à vida.
Os esforços de Reich foram de fazer do pensamento funcional, uma estrutura de pensamento lógico, coerente e sistematizado. Em todos os seus experimentos, desde os casos clínicos, até o cloudbuster, Reich demonstra a necessidade de procedimentos, testes, revalidações de testes, aplicação dos achados por outros pesquisadores – como fez com Einstein.
Vemos assim, que a sistemática do pensamento funcional pode trazer robustez para a clínica psicológica, possibilitando uma prática calcada em dados observáveis e menos em especulação ou interpretação por parte do psicoterapeuta.
Juntamente com esse ponto, vem o segundo, que diz respeito ao funcionamento energético. O pensamento funcional só é possível a partir da compreensão dos aspectos energéticos do vivo. Se a energia é anterior à própria vida, como demonstrou Reich no experimento com os bíons, então, na clínica psicológica, considerar a energética, é considerar a vida, em sua forma mais genuína e elementar de manifestação. Desse modo, os aspectos psicológicos não ficam detidos em “uma mente”, localizada no cérebro, mas em uma trama humana e cósmica.
Atuar a partir do funcionamento energético possibilita uma sofisticação da diagnóstica clínica; permite ao psicoterapeuta uma afinação nas avaliações e intervenções; faz com que a sensibilidade do psicoterapeuta se torne parte do setting analítico, sem a necessidade de descartar esse elemento – o sensível – como tantas abordagens determinam.
O terceiro ponto relevante da Orgonomia na clínica psicológica, toca na compreensão integral do humano. Isso é o que há de mais refinado atualmente no sentido científico, pois, mais que nunca se sabe que o ser humano não é um indivíduo isolado, divisível, fragmentado, separado, mas que há uma unidade entre mente e corpo, entre o eu e o outro, entre o micro e o macro. Somos feitos de conexões, de profundas interações e todas as nossas partes importam em um trabalho clínico psicológico.
O quarto e último ponto relevante da Orgonomia na clínica, toca no compromisso com transformações sociais. Reich cria a Orgonomia como expressão máxima de suas angústias quanto ao cenário social, do seu desejo genuíno de revoluções e de melhoria nas condições de vida. Quando, em seu início, questiona a técnica psicanalítica e busca estruturá-la para os modos de vida dos trabalhadores, Reich está assumindo um compromisso com transformações sociais. Quando sai pelo deserto do Arizona com seu cloudbuster, buscando modificar o clima, há ali, um desejo profundo de mudanças reais na vida concreta das pessoas.
Por isso, fazer uma clínica a partir da Orgonomia, é se alinhar com um pacto civilizatório, humano e ético, assim como também a própria psicologia preconiza o compromisso com as transformações sociais, o atendimento de populações em vulnerabilidades e avaliação das relações de poder (CFP, 2005).
Há certamente mais impactos que a Orgonomia exerce sobre o fazer clínico psicológico, mas para este trabalho, nos sentimos contemplados com o que fora exposta e deixamos o convite para que mais profissionais se aventurem na seara do trabalho com o a Orgone na clínica.
Abaixo, segue um quadro esquemático, com informações condensadas sobre os principais momentos da pesquisa de Reich.
| ANO | LOCAL | EXPERIMENTO | MÉTODO | OBJETIVO | LIVRO/TEXTO |
| 1923 | Viena | Trabalho clínico | Pesquisa de casos clínicos e debate epistemológico | Pesquisar o conceito de energia libidinal | Energia das pulsões, 1923 |
| 1927 | Viena | Trabalho clínico | Pesquisa de casos clínicos e debate epistemológico | Investigar a função psicofísica do orgasmo sexual | A função do orgasmo, 1927 |
| 1933 | Berlin | Trabalho clínico | Pesquisa de casos clínicos e debate epistemológico | Estruturar uma teoria da técnica psicanalítica | Análise do caráter, 1933 |
| 1934 | Oslo | Carga bioelétrica na pele de humanos e logo depois em protozoários | Observação microscópica de protozoários sendo estimulados | Investigar a fórmula tensão>carga>descarga >relaxamento | A função do orgasmo, 1942 |
| 1937 | Oslo | Desenvolvimento de protozoários | Decomposição de feno em solução aquosa | Investigar a formação de vesículas energéticas que se oriunda da decomposição | A função do orgasmo, 1942 |
| 1937 | Oslo | Vegetoterapia Caracteroanalítica | Intervenções corporais aliadas ao processo analítico | Criar uma terapêutica capaz de atuar no sistema vegetativo, juntamente com a análise verbal | Sobre a Técnica de Vegetoterapia Analítico de Caráter, 1937 |
| 1937 | Oslo | Experiência Bíons: a descoberta das vesículas energéticas | Observação microscópica da desintegração de protozoários, grama, sangue, areia, carvão e alimentos | Investigar o mecanismo de contração e expansão de seres unicelulares e diferenciar a energia elétrica da energia Orgone | Experimento Bíons,1937 |
| 1939 | Oslo | Gaiola de Faraday (blindagem eletrostática) | Observação e mensuração de alterações das soluções bionosas (líquidos com bíons) dentro do dispositivo Faraday | Investigar o tipo de alteração que ocorria com as soluções bionosas estando blindadas de energia eletrostática | Experimento Bíons, 1937 |
| 1940 | Oslo | Acumuladores de Orgônio | Construção de um recinto composto por um núcleo interno revestido de metal (uma gaiola Faraday), cercado por camadas alternadas de material não condutor (como lã) e material condutor (como lã de aço) | Investigar a energia orgone, seu funcionamento e aplicabilidade clínica | A função do Orgasmo, 1940 |
| 1940 | E.U.A | Orgônio atmosférico | Observação visual | Observar a energia orgônio também na atmosfera. | A função do Orgasmo, 1940 |
| 1948 | E.U.A | Biopatia do Câncer | Análises microscópicas com tecidos cancerosos de camundongos e humanos | Pesquisar a influência que a energia orgone tinha sobre os processos cancerosos | A biopatia do câncer, 1947 |
| 1951 | E.U.A | Experimento ORANUR | Aplicação de isótopos radioativos dentro de um acumulador de orgone | Pesquisar a relação entre a energia orgone e a radiação | Experimento ORANUR: Primeiro Relatório 1947-1951 |
| 1951 | E.U.A | Experimento Cloudbuster | Aplicação de tubos de metal conectados à água, direcionado para a atmosfera | Pesquisar a energia DOR que havia descoberto na atmosfera; alteração de nuvens | Experimento ORANUR: Primeiro Relatório 1947-1951 |
| 1954 | E.U.A | Experimentos no Arizona | Aplicação de tubos de metal conectados à água, direcionado para a atmosfera | Pesquisar a utilização do Cloudbuster em regiões áridas | Contato com o Espaço: ORANUR Segundo Relatório 1951-1956 |
Quadro elaborado a partir de: Carlos Frigola e Gerard Ponthieu (1981); Museum Wilhelm Reich (2025); Centro Reichiano e Volpi (2004).
REFERÊNCIAS
ALBERTINI, P. Na psicanálise de Wilhelm Reich. São Paulo: Zagodoni, 2016.
CALDAS, J. Museu Interativo da Física da UFPA: ação educativa com ênfase em divulgação e popularização da história e da filosofia da ciência para o ensino de Física. 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Física) – Faculdade de Física, Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, 2005.
FRIGOLA, C.; PONTHIEU, G. El autor y su obra. Barcelona: Barcanova, 1981.
BOADELLA, D. Nos caminhos de Reich. São Paulo: Summus, 1985.
GOLDMAN, J. Fundamentos da clínica reichiana: da psicanálise à orgonomia. Curitiba: Appris, 2020.
WILHELM REICH MUSEUM. Biografia de Wilhelm Reich. Disponível em: https://wilhelmreichmuseum.org/sobre/pesquisa-e-publicacoes/?lang=pt-br&v=07454afd9177. Acesso em: 9 jan. 2025.
REICH, W. A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 1975.
REICH, W. Análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
REICH, W. Experimentos bíons: sobre a origem da vida. Curitiba: Centro Reichiano, 2025.
VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. Curitiba: Centro Reichiano, 2004. Disponível em: http://www.centroreichiano.com.br. Acesso em: 9 mar. 2025.
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Psicologia corporal histórico. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). Revista Online. Curitiba: Centro Reichiano, 2025. ISSN 1516-0688. Disponível em: http://www.centroreichiano.com.br/artigos. Acesso em: 13 mar. 2025.
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(1) Luiz Guilherme Sant’Angelo – Psicólogo Clínico. Cursando Especialização em Psicologia Corporal, com habilitação para atuar como Psicoterapeuta e Analista Corporal de abordagem reichiana e bioenergética, pelo Centro Reichiano, Curitiba/PR. guisantangelo@hotmail.com
(2) José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
SANT´ANGELO, Luiz Guilherme; VOLPI, José Henrique. Orgonomia: como a pesquisa com a energia orgone altera o fazer clínico psicológico? Revista Científica Eletrônica de Psicologia Corporal, Curitiba, v. 26, p. 28–39, 2025. ISSN 1516-0688. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-26-ano-2025/