O CONCEITO ENERGÉTICO NA CLÍNICA REICHIANA
Daiani Sangaletti (1)
José Henrique Volpi (2)
RESUMO
A Orgonoterapia é o método psicoterapêutico que surgiu a partir das descobertas de Wilhelm Reich com a energia Orgone e a junção das técnicas Análise do Caráter e Vegetoterapia. Na prática, consiste em intervenções verbais e corporais, que tem como finalidade dissolver as couraças musculares e psíquicas, a fim de estabelecer o bom funcionamento do fluxo energético pelo corpo do indivíduo. Com base nisso, este trabalho tem como objetivo descrever o processo da descoberta da energia orgone, estabelecendo relações com o conceito energético e a sua aplicabilidade na clínica reichiana. Para alcançar tal proposta, foi necessário, conhecer os experimentos e estudos de Reich com a energia orgone, bem como a estruturação da metodologia da orgonoterapia, inicialmente postulada por Reich e que segue recebendo contribuições de seus discípulos e seguidores até os dias atuais.
Palavras-chave: Análise do Caráter. Energia Orgone. Orgonomia. Orgonoterapia. Vegetoterapia Caracteroanalítica.
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Desde a famosa fórmula de Einstein e a produção da energia atômica, Mann (1989) descreve que o século XX emergiu como um período de grande curiosidade pela noção do conceito de energia. De início, as pesquisas eram voltadas para energia em um plano universal e ao nível de matéria, e somente com o passar do tempo começou-se a considerar que os organismos vivos e o homem também faziam parte de um sistema energético. Um dos estudiosos que se preocupou em desvendar aspectos e influências da energia nos organismos, na natureza e no ser humano, foi Wilhelm Reich.
A insistente busca de Reich pelo entendimento das manifestações da energia orgone, conforme descreve Volpi (2019), consolidou uma nova ciência, a Orgonomia, que tem como objetivo estudar a energia orgone em todas as suas concentrações, movimentos e forma. A Orgonomia rompe com os parâmetros de uma ciência mecanicista e apresenta um pensamento funcional no qual os aspectos físico, energético e emocional são indivisíveis e se influenciam mutuamente, interferindo no livre fluxo energético da natureza e de tudo o que dela faz parte.
Sua trajetória com a descoberta da dimensão energética, teve início quando Reich entrou na faculdade de medicina, no ano de 1918. Volpi (2019) pontua que nesse período Reich elaborou contribuições teóricas e clínicas à Sociedade Psicanalítica de Viena, se tornando membro e aprofundando estudos sobre a compreensão da energia sexual humana. Reich também se tornou assistente clínico de Freud na Clínica Psicanalítica Vienense, até o ano de 1928 quando passou a assumir um cargo na diretoria da mesma. Em 1926, de acordo com Volpi (2019), Reich publicou um artigo intitulado “A função do Orgasmo – Sobre uma Psicopatologia e Sociologia da Sexualidade”, que foi dedicado a Freud. Este pareceu ter uma reação negativa à publicação, iniciando uma série de divergências do autor com a teoria psicanalítica.
Volpi (2008) destaca ainda, que Reich estava convicto de que suas ideias poderiam oferecer grandes contribuições à escola de Freud e seguiu em frente com suas pesquisas aprofundando-se na teoria da libido, que estava sendo deixada de lado pelos psicanalistas. Reich passou então a chamar a sua teoria de Economia Sexual, que aos poucos foi se tornando uma disciplina independente, com seus próprios métodos de pesquisa.
Reich observou grande resistência dos pacientes em relação ao método de Associação Livre de ideias da Psicanálise. Raknes (1988) traz contribuições sobre essa fase, afirmando que a percepção de Reich foi de que cada paciente resiste de acordo com os traços de caráter que foi se formando durante as etapas de seu desenvolvimento, resultando em uma couraça a nível psíquico (caráter) e muscular. Raknes (1988, p.20) destaca ainda que:
Reich foi o primeiro psicanalista a formular uma teoria coerente do caráter. Ele demonstrou que os diversos traços de caráter dependiam uns dos outros e que, tomados em conjunto, formavam uma defesa unitária contra todas as emoções que de alguma forma eram percebidas como perigosas.
Assim, conforme reitera Volpi (2019) Reich entendeu que era preciso analisar não apenas os sintomas apresentados pelo paciente, mas os traços de caráter que podiam ser observados no comportamento, na postura, nos gestos, nas expressões e no padrão de interação do paciente com o mundo. Essas percepções resultaram no desenvolvimento de uma nova metodologia terapêutica, denominada por ele, Análise do Caráter.
Essa metodologia levou Reich a retirar o paciente do divã e sentar-se frente a frente, confrontando as resistências de forma imediata e colocando o analista em uma posição mais ativa dentro do processo terapêutico. Tal configuração, segundo Volpi (2008) foi tomada, como uma afronta à Psicanálise e, as críticas contra Reich tornaram-se mais intensas, alegando que este, estava querendo modificar a técnica psicanalítica.
Para aprofundar essa questão, é necessário compreender o conceito de couraça de caráter, veiculado por Reich em seu artigo sobre a técnica da Análise do Caráter. Reich (apud Volpi, 2019, p. 44) afirma que trata-se de “[…] uma armadura que envolve o paciente como um todo e o impede de progredir analiticamente.” Para alcançar a cura, é necessário dissolver essa couraça, através da eliminação da base dos sintomas no caráter do paciente.
Com a continuação dos trabalhos sobre a Análise do Caráter, Reich identificou que os indivíduos criados com uma atitude negativa e repressora em relação aos aspectos da sexualidade, contraem seus corpos em um movimento de tensão muscular, impedindo a livre circulação energética no corpo. Conforme destaca Volpi (2008, p.4), ao trabalhar com seus pacientes, Reich “[…] passou a manipular o corpo com toques profundos, beliscões e movimentos expressivos, de forma a mobilizar os fluídos energéticos do corpo, restabelecendo a motilidade biopsíquica, através da anulação da couraça psíquica e muscular”. Sendo assim, Reich adiciona à Análise do Caráter o trabalho voltado ao sistema neurovegetativo e sua técnica passa a ser denominada Vegetoterapia Caracteroanalítica, que tem como foco de trabalho, a atuação sobre a mente e o corpo.
Diante disso, Volpi (2019) descreve que Reich apresenta a compreensão de saúde e doença através dos conceitos de caráter genital e caráter neurótico. Sendo saudável o indivíduo capaz de realizar a auto expressão de seus impulsos sexuais, enquanto que o caráter neurótico é formado em indivíduos expostos a uma repressão de seus impulsos naturais, e sua estrutura será formada e a partir da etapa de desenvolvimento em que ocorreu algum tipo de fixação.
Reich (1995) passou então, a relacionar a função sexual genital enquanto condição primordial para a saúde mental, já que garantia a eliminação de energia estagnada. Essa descarga depende da capacidade do organismo de estabelecer a potência orgástica, entendida por ele como: “[…] a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.” (REICH, 1995, p. 94)
Uma estrutura de caráter neurótico não consegue ser orgasticamente potente. Reich (1995) desenvolve então a Fórmula do Orgasmo, dividida em quatro tempos: tensão mecânica – carga bioelétrica – descarga bioelétrica – relaxamento, cuja função é a autorregulação do organismo, promovendo o equilíbrio homeostático. Raknes (1988) afirma que Reich realizou experimentos a respeito do potencial elétrico da pele, onde, através de um oscilógrafo, mediu as variações deste potencial quando o indivíduo era submetido aos estados de prazer (ou excitação agradável) e angústia (ansiedade). Os resultados mostraram que o potencial elétrico da pele aumentava com a sensação de prazer e diminuía quando na sensação de ansiedade. Em relação a essa descoberta Volpi (2019, p.137) esclarece que:
Há uma antítese natural entre o prazer, que é o movimento de expressão do Eu, e a angústia, que é o movimento de contração. No prazer a energia flui do centro do organismo, do cerne biológico em direção à superfície da pele. Por outro lado, na angústia, há um fluxo de energia que se move em direção ao interior do corpo.
Depois da descoberta da fórmula do orgasmo, de acordo com Raknes (1988) Reich encontrou semelhanças entre os movimentos orgásticos do corpo humano e os protozoários, observados no microscópio. Começou a se questionar se a fórmula do orgasmo era comum a toda matéria viva, e se ela deveria ser considerada a fórmula geral do funcionamento da vida.
Conforme Volpi (2019), Reich realizou minuciosos estudos com protozoários, fazendo medições milivométricas de amebas durante os estados de contração e expansão. Intrigado pela maneira como novos protozoários se formavam durante o experimento, identificou que ao entrar em processo de desintegração, desprendiam-se das bordas das células dos protozoários, pequenas vesículas de coloração verde-azulada que seguiam flutuando, se atraíam mutuamente e formavam novos protozoários. Conforme Mann (1989, p.39) “Reich chamou de bíons a essas vesículas de energia e, em sua tendência a se organizarem em células como os protozoários, percebeu a demonstração da origem da própria vida.”
Assim, Gallert (1966 apud MANN, 1989, p.39) afirma:
Com base em investigações anteriores, sabemos que a função da tensão e da carga não é característica só do orgasmo. Aplica-se a todas as funções do sistema autônomo da vida. O coração, os intestinos, a bexiga urinária, os pulmões, todas as funções são concordes a esse ritmo. Também a divisão celular obedece ao ritmo quaternário. Assim como o movimento dos protozoários e dos metazoários […] Essa fórmula biológica básica abrange a essência do funcionamento vivo. A fórmula do orgasmo apresenta-se como fórmula (básica) da vida enquanto tal.
A partir de tais estudos, Reich, conforme aponta Mann (1989), chega a conclusão que todo organismo vivo é uma estrutura membranosa que também contém no seu interior, um certo grau de energia. A esta energia ele chamou de orgônio, terminologia que faz menção às palavras organismo e orgasmo. Por fim, ao aprofundar seus experimentos, entendeu que aquela energia, que foi observada inicialmente nos seres vivos, também ocupava o espaço como um todo. Nomeou, então, essa força básica como Energia Orgone Cósmica e fundou um novo campo de pesquisas, a Orgonomia.
Volpi (2019) pontua que a segunda série de experimentos foi realizada no mesmo mês, utilizando ratos de laboratório. Ao observar a desintegração de tecidos cancerosos, percebeu dois tipos diferentes de vesículas: as maiores e arredondadas que denominou bíons Pa (do inglês packet = pacote) e as menores e alongadas que chamou de bacilos T (do alemão Tod: morte). Em relação ao seu funcionamento, percebeu que as maiores imobilizaram as menores. Após isolar e produzir novos cultivos de bíos Pa e bacilos T, experimentou seus efeitos em ratos de laboratório, percebendo a morte e formação de câncer naqueles expostos aos bacilos T e nos ratos injetados com bíos Pa, percebeu a diminuição ou desaparecimento do câncer. Concluiu por fim, a partir desses estudos, que os bacilos T estão presentes em todos os organismos, porém, os seres saudáveis impedem eles de se proliferarem. Já em organismos doentes, os bacilos T vão se proliferando rapidamente, destruindo as células saudáveis do ser.
O trabalho intenso com a observação dos bíons, conforme afirma Volpi (2019), provocou uma dor intensa nos olhos de Reich e seus assistentes, levando ao desenvolvimento de conjuntivite. Ressalta também que era possível observar fenômenos ópticos no laboratório escuro, como vapores de cor cinza-azulado e raios luminosos. Isso levou Reich a pensar que os bíons podem estar emitindo uma espécie de radiação, suposição que foi negada quando ele mediu a presença de cargas eletrostáticas em um aparelho especializado.
Durante a realização dos experimentos, conforme reitera Volpi (2019) Reich utilizava luvas de borracha, e ao aproximar as luvas do microscópio ficou surpreso com o fato da luva absorver essa radiação. Repetiu os experimentos utilizando outros objetos, e percebeu que diante dos objetos metálicos a radiação dos bíons era atraída e logo em seguida dissipada ou refletida. Obteve a confirmação de que substâncias orgânicas tinham a capacidade de atraí-las, enquanto que materiais metálicos atraíam, mas a dispersaram rapidamente.
Reich queria construir um ambiente que pudesse isolar e conter essa energia, para isso, criou um equipamento que chamou de acumulador de orgone, uma caixa composta de camadas de material orgânico e inorgânico. De acordo com Volpi (2019, p.85) as pessoas que entravam no acumulador de orgone relataram diferentes sensações como: “[…] taquicardia, sudorese, aumento da pressão arterial, formigamento pelo corpo, vertigens, sensação de expansão corporal, bem-estar, relaxamento, sonolência, aumento da temperatura, etc.” Também obteve experiências exitosas no tratamento de pacientes com câncer.
Em 1942, Reich adquiriu uma área com aproximadamente 280 acres de terra, no Maine, EUA, que recebeu o nome de Orgonon, onde fundou um centro de estudos para a compreensão da energia vital. Conforme destaca Volpi (2019), Reich decidiu fazer um experimento que denominou Oranur, com o objetivo de verificar se o acumulador de orgônio tinha o poder de neutralizar os efeitos da radiação nuclear. O resultado do experimento foi contrário ao esperado, acabou espalhando radioatividade por toda a área ao redor da propriedade, levando primeiramente a sintomas de tontura, enxaqueca e náusea nos pesquisadores. Além disso, a atmosfera local se tornou opressiva, com estranhas condições climáticas e a presença de uma grande quantidade de nuvens negras. Chamou-se essa energia variante de orgônio de DOR, que significa orgônio letal.
Na sequência dos estudos com essa nova energia, Reich construiu um aparelho, que chamou de cloudbuster, com o objetivo de converter a DOR presente na atmosfera, em Energia Orgone novamente. Descobriu que esse aparelho pode interferir na meteorologia. Volpi (2019) destaca que o equipamento era formado por longos tubos de metal apontados para nuvens, conectados por tubos flexíveis menores conectados a um grande poço de água, com a proposta de fazer a drenagem dessa energia. Rapidamente era possível observar uma mudança na organização das nuvens. Volpi (2019, p.111) traz a seguinte afirmação sobre o experimento, Reich: “Descobriu, então, que o cloudbuster quando apontado para o centro das nuvens, fazia com que elas se dissipassem e quando apontado para as laterais, causava um aumento no tamanho das nuvens até provocar chuva.”
A partir dessas pesquisas, Volpi (2019) destaca que calúnias e difamações se formaram contra Reich, e os insultos culminaram numa intensa perseguição. Por ordem judicial, em 1956 seus livros e todos os acumuladores de orgônio foram destruídos e Reich foi proibido de continuar desenvolvendo qualquer tipo de experimento envolvendo a energia orgone. No mesmo ano, é preso por desobediência e após oito meses detido, Reich morre na prisão no dia 3 de novembro de 1957 de um possível ataque cardíaco.
Wilhelm Reich faleceu aos sessenta anos de idade e sem conseguir concluir muitas de suas descobertas. Para se aprofundar nas pesquisas com a energia, deixou de lado a sistematização do desbloqueio das couraças. No entanto, a descoberta da energia orgone o fez concluir que as intervenções sobre as couraças restabelecem o fluxo energético corporal bem como favorecem a liberação e elaboração de emoções e pensamentos, portanto, conforme reitera Volpi (2019), ele amplia o termo do trabalho clínico de Vegetoterapia para Orgonoterapia.
Reich, conforme descreve Volpi (2019), identificou que a energia circulava verticalmente pelo corpo, na direção da cabeça aos pés. Concluiu também que a couraça muscular está organizada em segmentos horizontais conforme órgãos e grupos de músculos agrupados, mapeados por ele em sete: ocular, oral, cervical, peitoral/torácico, diafragmático, abdominal e pélvico. Sendo assim, o objetivo da orgonoterapia é realizar “[…] o afrouxamento desse grupo de músculos, liberando a energia para que circule através do corpo, chegando até a pelve, restabelecendo as correntes plasmáticas e consequentemente, o orgasmo.” (VOLPI, 2019, p. 95)
Como não teve tempo de elaborar técnicas específicas para o desbloqueio de couraças, Volpi (2008) aponta que Reich fez esse pedido para um de seus alunos e colaboradores, Ola Raknes. Não se sentindo apto para a tarefa, repassou essa missão para Federico Navarro, que elaborou uma metodologia aplicada na intervenção em cada segmento de couraça, que ele chamou de actings. Em relação a metodologia elaborada por Navarro, Volpi; Volpi (2012, p. 5-6) destacam:
A metodologia desenvolvida por Navarro segue um rigoroso protocolo de desbloqueio da couraça iniciando pelo segmento ocular e finalizando, com o trabalho sobre o segmento pélvico. A duração de uma sessão de orgonoterapia é de aproximadamente 1 hora e 30 minutos e o tempo de tratamento varia de pessoa para pessoa, sendo necessário em média 80 sessões para o tratamento completo.
Atualmente, Volpi; Volpi (2012) descrevem que para os casos de maior urgência, é possível adaptar o trabalho para uma metodologia de Orgonoterapia para o que chamam de Breve e Focal, uma metodologia desenvolvida por Volpi, que usa como base os pacotes de actings sistematizados por Navarro, porém atuando especificamente sobre a queixa do paciente, considerando um tempo menor para o tratamento.
Trotta (1999) destaca que com o tempo, foram surgindo várias escolas de orgonoterapia em diversos países, que se inspiraram em Reich, mas desenvolvem suas próprias metodologias clínicas. Em relação a metodologia da orgonoterapia, o autor destaca:
Descrever a metodologia da orgonoterapia é uma tarefa relativamente difícil, pois além de ser bastante complexa, ela se orienta por mecanismos gerais e não por recomendações técnicas fixas. Na verdade, ela é irredutível a roteiros clínicos padronizados, porque é muito individualizada em função de cada paciente, focalizando simultaneamente a totalidade de sua estrutura caracterológica e as peculiaridades de seu mecanismo de encouraçamento. (TROTTA, 1999, p. 34)
De acordo com Trotta (1999), na Orgonoterapia a interpretação psicodinâmica, que orienta todas as etapas do trabalho terapêutico, baseia-se na Análise do Caráter desenvolvida por Reich. Também utiliza técnicas corporais que visam à dissolução da couraça (desencouraçamento), através da liberação de impulsos e emoções reprimidas, que permitem a elaboração de conteúdos psíquicos associados, bem como a restauração da pulsação e dos fluxos orgonóticos.
Em relação ao encouraçamento, Trotta (1999) afirma que Reich descobriu que os distúrbios psico-emocionais estão sempre acompanhados de disfunções anatômico-fisiológicas, que funcionam como parte integrante, de um sistema unitário. Dessa forma, o trabalho de desencouraçamento com enfoque na estrutura corporal deve sempre estar associado a aspectos emergentes, a nível somático e psico-emocional.
A consequência do bloqueio energético pelo corpo humano, pode acontecer de duas formas diferentes, de acordo com o surgimento de regiões com déficit de energia, chamadas de bloqueios hipo-orgonóticos, e regiões com estase energética, chamadas de bloqueios hiper-orgonóticos. “As regiões hipoorgonóticas geralmente apresentam musculatura hipotônica, baixa irrigação, tendendo a ser frias, pálidas e desvitalizadas. As regiões hiperorgonóticas apresentam musculatura hipertônica, congestão líquida, tendendo a ser quentes, hipersensíveis e doloridas.” (TROTTA, 1999, p.35)
Conforme Trotta (1999) o desencouraçamento é conduzido utilizando-se diversas técnicas de intervenção corporal – também chamadas de “actings” ou, simplesmente, trabalhos corporais. Os trabalhos corporais incluem técnicas de massagem e toques específicos, estimulações sensoriais, movimentos chamados “actings“, trabalhos de respiração, trabalhos expressivos, trabalhos de relaxamento ou de tonificação muscular, de postura, trabalhos sobre os reflexos fisiológicos, etc.
Em relação às reações oriundas do trabalho corporal, Trotta (1999) destaca que elas podem se manifestar durante a sessão, como também em horas ou dias depois. Sendo assim, lembra o quanto é essencial começar a sessão investigando reações que possam ter surgido a partir da aplicação das técnicas. As reações imediatas podem incluir expressões emocionais, lembranças e reações somáticas, e as reações retardadas incluem efeitos psíquicos, alterações fisiológicas, comportamentais ou somáticas.
Como a metodologia da abordagem orgonoterápica deve ajustar-se às singularidades da estrutura biopsíquica de cada paciente, no início da terapia, segundo Trotta (1999) é necessário fazer os diagnósticos psicodinâmico, caracterológico e corporal. Após essa etapa, é possível a elaboração de um projeto terapêutico específico, bem como apontar as expectativas transferenciais e o prognóstico.
Conforme Trotta (1999) o diagnóstico psicodinâmico consiste em analisar o processo de estruturação psíquica, de construção de identidade e escolha objetal, através de eventos marcantes nas diferentes fases de desenvolvimento. O diagnóstico caracterológico consiste em analisar os principais tipos de mecanismos de defesa, resistências, padrões adaptativos, manifestações narcisistas, padrão emocional e interacional, além das funções fisiológicas e levantamentos de sintomas e doenças no decorrer de toda a vida. Por fim, o autor destaca que o diagnóstico corporal deve analisar o grau e o tipo de encouraçamento de cada segmento e seu significado psicoemocional.
O processo terapêutico da orgonoterapia, segundo Trotta (1999) é composto por três etapas distintas. A etapa inicial ou introdutória corresponde às primeiras sessões onde se constrói o vínculo terapêutico. É o período em que trabalha-se as resistências transferenciais e o terapeuta deve estar atento às fantasias, expectativas, demandas inconscientes e medos. Paralelamente à coleta de dados sobre a história de vida do paciente, ainda nessa fase, o terapeuta deve iniciar algumas intervenções corporais com fim diagnóstico e para afloramento de algumas reações.
A segunda etapa, denominada etapa de desencouraçamento, é a mais longa do processo. Consiste na dissolução da couraça muscular, associada a dissolução das defesas caracterológicas correspondentes. Vale ressaltar que o desencouraçamento tem início de cima para baixo, mas também são realizadas intervenções em outros segmentos visando o abrandamento global da couraça. Sendo assim, Trotta (1999) orienta que os trabalhos corporais devem iniciar com técnicas de primeiro e segundo segmentos, que devem ser trabalhados constantemente no decorrer da terapia, para que as técnicas sobre os demais segmentos não produzam um efeito retroativo. Como o quarto segmento é considerado a sede da identidade e da afetividade, desde o início da terapia, costuma-se realizar intervenções sobre o mesmo através de trabalhos de respiração, massagem, movimentos dos braços e trabalhos com as mãos.
Na medida em que torna-se possível observar um abrandamento significativo da couraça do primeiro e segundo segmentos, Trotta (1999) compreende que deve-se intensificar o desencouraçamento dos próximos segmentos. A terceira etapa, ou fase final da terapia, é aquela em que se trabalha a instauração da genitalidade e a recuperação da potência orgástica. Segundo o autor, deve-se estimular a respiração profunda e prolongada com o objetivo de mobilizar os fluidos energéticos do corpo para a recuperação do reflexo de orgasmo. Segundo Reich (apud TROTTA, 1999) esse reflexo é a expressão plena do bom funcionamento do organismo que passou a se tornar a meta terapêutica na abordagem reichiana.
REFERÊNCIAS
MANN, W. E. Orgônio, Reich e Eros: a teoria da energia vital de Wilhelm Reich. São Paulo: Summus, 1989. 342 p.
RAKNES, O. Wilhelm Reich e a orgonomia. São Paulo: Summus ed., 1988.
REICH, W. A função do orgasmo. 19 ed.São Paulo: Brasiliense, 1995. 328
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TROTTA, E. E. Metodologia da Orgonoterapia . In: Revista da sociedade Wilhelm Reich RS, Número 3: 32–57. Porto Alegre, 1999.
VOLPI, J. H. Explorando os fundamentos básicos da teoria e prática da análise reichiana (análise do caráter, vegetoterapia e orgonoterapia). In: ENCONTRO PARANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO, CONVENÇÃO BRASIL/LATINO-AMÉRICA, XIII, VIII, II, 2008. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2008. Disponível em: https://www.centroreichiano.com.br/artigos/Anais-2008/VOLPI-Jose-Henrique-Explorando-os-fundamentos-basicos.pdf. Acesso em: 03 fevereiro 2025.
VOLPI, J. H. Psicoterapia corporal: um trajeto histórico de Wilhelm Reich. Curitíba, PR: Centro Reichiano, 2019, 2ª edição. 144 p.
VOLPI, J. H. VOLPI, S. M. Psicologia Corporal – Um breve histórico. In: VOLPI, J. H. VOLPI, S. M. Psicologia Corporal. Revista Online. ISSN – 1516-0688. Curitiba: Centro Reichiano, Vol. 13, 2012. Disponível em: https://www.centroreichiano.com.br/artigos/Artigos/VOLPI-Jose-Henrique-VOLPI-Sandra-Psicologia-Corporal-um-breve-historico.pdf. Acesso em: 03 fevereiro 2025.
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(1) Daiani Sangaletti – Psicóloga (CRP12/12455), Especialista em Sistema Único de Assistência Social, Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional com Educação Especial e Inclusiva e Transtorno do Espectro Autista. Psicoterapeuta Corporal com Formação pelo Instituto Hólon. Cursando Especialização em Psicologia Corporal, com habilitação para atuar como Psicoterapeuta e Analista Corporal de abordagem reichiana e bioenergética, pelo Centro Reichiano, Curitiba/PR. day_sangaletti@hotmail.com
(2) José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br