O corpo lembra: a neurofisiologia do trauma
O CORPO LEMBRA: A NEUROFISIOLOGIA DO TRAUMA
José Henrique Volpi (1)
RESUMO:
O artigo investiga a conexão entre corpo e mente na vivência do trauma, unindo a Psicologia Corporal de Wilhelm Reich e Alexander Lowen às descobertas recentes da neurociência. Discute as mudanças cerebrais e fisiológicas causadas por experiências traumáticas, como a hiperatividade da amígdala e a disfunção do sistema nervoso autônomo. Com base em pesquisas de autores como Bessel van der Kolk, Stephen Porges e Peter Levine, conclui-se que o tratamento efetivo do trauma exige intervenções somáticas que favoreçam a reintegração entre corpo e mente, a autorregulação emocional e a recuperação da vitalidade.
Palavras-chave: Corpo. Mente. Neurociência. Psicologia corporal. Trauma.
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1. Introdução
Avanços em neurociência e psicologia somática revelam que o trauma não é apenas psicológico, mas também corporal. Estudos mostram alterações em regiões cerebrais críticas, como a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal, além de mudanças no sistema nervoso autônomo (KOLK, 2020; PORGES, 2011).
A Psicologia Corporal, com base nos conceitos de couraça muscular de Reich (1973) e nas práticas Análise Bioenergética de Lowen (1975), oferece uma abordagem terapêutica para acessar memórias corporais, reduzir tensões crônicas e promover autorregulação emocional (BOADELLA, 1991; BERNHARD, 2007). Este artigo propõe uma integração entre estas abordagens e dados neurobiológicos contemporâneos.
2. O que é trauma?
Trauma é uma resposta desregulada do organismo a uma ameaça percebida como avassaladora, sendo seu impacto mais relevante do que o evento em si (KOLK, 2020).
Quadro 1 – Exemplos de eventos traumáticos e suas manifestações corporais
Tipo de evento | Manifestações corporais comuns | Impactos neurológicos |
Abuso físico ou sexual | Tensão muscular, bloqueios respiratórios | Hipervigilância, redução do hipocampo |
Negligência ou abandono | Postura retraída, fraqueza muscular | Disfunção do córtex pré-frontal |
Acidentes ou desastres naturais | Palpitações, sudorese, tremores | Hiperatividade da amígdala |
3. Corpo e cérebro: a fisiologia do trauma
O trauma reorganiza circuitos neurais e altera respostas autonômicas.
Tabela 1 – Alterações neurológicas associadas ao trauma
Estrutura cerebral | Função principal | Alterações observadas no trauma |
Amígdala | Detecção de ameaça | Hiperatividade, alerta constante |
Hipocampo | Consolidação da memória | Redução volumétrica, dificuldade de contextualização |
Córtex pré-frontal | Regulação emocional e comportamento | Diminuição da atividade, desregulação emocional |
O sistema nervoso autônomo regula funções como respiração, frequência cardíaca e tônus muscular. A Teoria Polivagal explica que estados crônicos de luta, fuga ou congelamento surgem como adaptações traumáticas (PORGES, 2011).
Figura 1 – Fluxo de resposta autonômica ao trauma
Evento traumático → Ativação da amígdala → Hiperatividade simpática → Resposta luta/fuga
↓
Congelamento → Ativação do nervo vago dorsal
4. Psicologia Corporal e trauma
Wilhelm Reich (1973) observou que tensões musculares crônicas — a chamada couraça muscular — atuam como defesas inconscientes. Lowen (1975) expandiu essa visão, enfatizando bloqueios de energia e a relação corpo–mente.
Tabela 2 – Exemplos de tensões corporais e suas interpretações terapêuticas
Região corporal | Manifestação típica | Intervenção psicocorporal |
Pescoço e ombros | Rigidez, dores crônicas | Alongamento, respiração dirigida |
Tronco e diafragma | Respiração superficial | Exercícios de respiração profunda |
Quadril e pernas | Tensão, dificuldade de mobilidade | Movimento expressivo, bioenergética |
O foco da Psicologia Corporal é acessar memórias corporais e promover reintegração funcional, promovendo autorregulação emocional e neurofisiológica (BERNHARD, 2007; BOADELLA, 1991).
5. Evidências científicas de intervenções somáticas
Estudos recentes indicam eficácia de terapias somáticas na redução de sintomas de TEPT, ansiedade e depressão (MAROTI et al., 2022). Van der Kolk (2020) afirma que a cura do trauma precisa incluir o corpo, por meio de técnicas que modulam o tônus muscular, a respiração e a consciência corporal.
Quadro 2 – Benefícios das intervenções somáticas no trauma
Intervenção | Benefício comprovado | Evidência científica |
Respiração consciente | Redução de hiperatividade simpática | KOLK, 2020; MAROTI et al., 2022 |
Movimento expressivo | Liberação de tensão e bloqueios | BERNHARD, 2007; LOWEN, 1975 |
Bioenergética | Aumento da vitalidade e presença corporal | BOADELLA, 1991 |
6. Conclusão
A integração entre neurociência e Psicologia Corporal confirma que trauma e corpo estão intrinsecamente ligados. Marcas traumáticas afetam musculatura, postura, respiração e regulação emocional. Abordagens corporais e somáticas, validadas por evidências contemporâneas, são fundamentais para intervenções terapêuticas eficazes e cientificamente fundamentadas.
Referências
BOADELLA, David. Correntes da vida: energia e padronização no corpo humano. São Paulo: Summus, 1991.
BERNHARD, Alice. Psicoterapia corporal e o corpo energético: Reich revisitado. São Paulo: Summus, 2007.
KOLK, Bessel van der. O corpo guarda as marcas: cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Rio de Janeiro: Sextante, 2020.
LEVINE, Peter. In an Unspoken Voice: How the Body Releases Trauma and Restores Goodness. Berkeley: North Atlantic Books, 2010.
LOWEN, Alexander. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1975.
MAROTI, Daniel et al. Internet-based emotional awareness and expression therapy for somatic symptom disorder: a randomized controlled trial. Journal of Psychosomatic Research, v. 163, p. 111068, dez. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2022.111068. Acesso em: 29 out. 2025.
PORGES, Stephen W. The Polyvagal Theory: Neurophysiological Foundations of Emotions, Attachment, Communication, and Self-regulation. New York: W. W. Norton & Company, 2011.
REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973
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(1) José Henrique Volpi – Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psico-corporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. volpi@centroreichiano.com.br
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO
VOLPI, José Henrique. O corpo lembra: a neurofisiologia do trauma. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). Psicologia Corporal. Revista Online. Curitiba: Centro Reichiano, 2025. v. 26, p. 80-83. ISSN 1516-0688. Disponível em: https://centroreichiano.com.br/revista-cientifica-eletronica-de-psicologia-corporal-vol-26-ano-2025/. Acesso em: dd/mm/aaaa.